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Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
1
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
2
PEDAGOGIA DA REINVENÇÃO:
CARTAS PEDAGÓGICAS A PAULO FREIRE
Ivo Dickmann
(organizador)
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
3
NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respeitam as nor-
mas e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade pelo conteúdo dos
textos desta obra é dos respectivos autores e autoras, não significando a concordância dos orga-
nizadores e da editora com as ideias publicadas.
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qual-
quer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, repro-
gráficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parci-
al, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de
dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração.
A violação dos direitos é punível como crime (art.184 e parágrafos do Código Penal), com pena
de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (art. 101 a 110 da Lei 9.610, de
19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Ivo Dickmann
(organizador)
PEDAGOGIA DA REINVENÇÃO:
CARTAS PEDAGÓGICAS A PAULO FREIRE
Chapecó-SC
Livrologia
2021
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL E NACIONAL
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Francisco Javier de León Ramírez – México
Carelia Hidalgo López – Venezuela
Marta Teixeira – Canadá
Maria de Nazare Moura Björk – Suécia
Macarena Esteban Ibáñez – Espanha
Quecoi Sani – Guiné-Bissau
Ivo Dickmann - Unochapecó
Ivanio Dickmann - UCS
Viviane Bagiotto Botton – UERJ
Fernanda dos Santos Paulo – UNOESC
Cesar Ferreira da Silva – Unicamp
Tiago Ingrassia Pereira – UFFS
Carmem Regina Giongo – Feevale
Sebastião Monteiro Oliveira – UFRR
Adan Renê Pereira da Silva – UFAM
Inara Cavalcanti – UNIFAP
Ionara Cristina Albani - IFRS
FICHA CATALOGRÁFICA
P371 Pedagogia da reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire / Ivo Dickmann
(Organizador). 1. ed. – Chapecó: Livrologia, 2021. (Coleção Paulo Freire; 06).
1. Educação - Filosofia. I. Dickmann, Ivo.
ISBN: 9786586218633
DOI: doi.org/10.52139/livrologia9786586218633
2021_0121 CDD 370.1 (Edição 23)
Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056
© 2021
Permitida a reprodução deste livro, sem fins comerciais,
desde que citada a fonte.
Impresso no Brasil.
Esse livro passou pelo processo de revisão por pares
dentro das regras do Qualis livros da CAPES
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
6
.: SUMÁRIO :.
CARTA-PREFÁCIO: PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO E A
REINVENÇÃO DAS DIFERENTES EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS ........................... 9
Fernanda dos Santos Paulo
CARTA DE APRESENTAÇÃO: REINVENTAR A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO ......................................... 11
Ivo Dickmann
Parte I - DIDÁTICA FREIRIANA
COMO CONTAR MINHA EXPERIÊNCIA,
SE NÃO PRATICANDO COM ESTA CARTA! ................................................................ 16
Ana Maria Pereira Puton
CARTA AOS EDUCADORES: AOS QUAIS, ASSIM COMO EU, O PERCURSO
FORMATIVO TEM INÍCIO E NÃO DEVE TER FIM ... ..................................................... 24
Andréia Stochero Binelo
CARTA PEDAGÓGICA AOS MEUS AMIGOS E COLEGAS PROFESSORES .............. 29
Charlene Pereira
CARTAS PEDAGÓGICAS: A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
E A TRANSFORMAÇÃO DA PRÁXIS EDUCADORA ..................................................... 34
Daiane Altenhofen
CARTA PEDAGÓGICA: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE
NAS AULAS DE MATEMÁTICA ...................................................................................... 41
Greicy Gadler Lang
“SE PAULO FREIRE ESTIVESSE VIVO, SERIA UM EDUCADOR AMBIENTAL”:
UMA CARTA PEDAGÓGICA A PAULO FREIRE ........................................................... 47
Larissa Henrique
CARTA PEDAGÓGICA: UMA REFLEXÃO AO EDUCADOR PAULO FREIRE .............. 53
Luciana Fátima Narcizo
ENTRELINHAS DE UMA VIDA VIVIDA: TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA
COM DEFICIÊNCIA VISUAL .......................................................................................... 62
Milene da Silva Oliveira
DESABAFO AO GRANDE MESTRE PAULO FREIRE .................................................. 71
Neuzair Cordeiro Peiter
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
7
Parte II - CARTAS DA REINVENÇÃO
CARTAS PEDAGÓGICAS: HISTÓRIA, LEGADO E REINVENÇÃO .............................. 80
Ivo Dickmann
SE ESSA RUA... SE ESSA RUA FOSSE MINHA ........................................................... 86
Adriani Cristiani Stanga
(RE)EXISTÊNCIA E LUTA NO COTIDIANO KAINGANG .............................................. 98
Adroaldo Antonio Fidelis
CULTURA POPULAR E ENSINO RELIGIOSO EM PAULO FREIRE ........................... 106
Daisa Pompeo Cordazzo
PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO ÍNDIGENA
KAINGANG NA CONTEMPORANEIDADE ................................................................... 114
Edilvania de Paula dos Santos
CARTA A PAULO FREIRE:
O SÉCULO XXI E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA EDUCAÇÃO ................................ 121
Edson Cecchetti
FREIRE, JORNALISMO, PANDEMIA E ESPERANÇA ................................................. 132
Fabiana Elora do Nascimento
REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE VIDA: PESSOAL, PROFISSIONAL E
ACADÊMICA. UM OLHAR AMPLIADO A PARTIR DE PAULO FREIRE ...................... 139
Fabiane Schonell Roman
“ENTRE FRAGMENTOS E RETALHOS” ...................................................................... 146
Fernanda Carla Dias Vicenzi
UMA HISTÓRIA DE DISSERTAÇÃO COM AMOR PARA PAULO FREIRE ................ 156
Julia Eduarda Krauspenhar
PELAS TRILHAS DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: REFLEXÕES SOBRE
A FORMAÇÃO DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
NO CAMPO DA SAÚDE ................................................................................................ 163
Julia Stanga Rech
CARTA A PAULO FREIRE:
ERA DIGITAL E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO ...................................................... 172
Kariane Batistello
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
8
EDUCAÇÃO CRÍTICA: APROXIMAÇÕES ENTRE
PAULO FREIRE E O ENSINO NA SAÚDE ................................................................... 181
Karine Pereira Ribeiro
EDUCAÇÃO POPULAR NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA:
A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO .................................................................................. 188
Lariane Fedrigo
CAMINHOS POSSÍVEIS: CONSTRUINDO COM FREIRE
UMA COMUNICAÇÃO LIBERTADORA ........................................................................ 195
Marina de Oliveira
CARTA PARA PAULO FREIRE: INQUIETAÇÕES
DE UMA PESQUISADORA EM (RE)CONSTRUÇÃO .................................................. 203
Odila Migliorini Rosa
O PROFESSOR EXEMPLAR: PRODIGIOSA BUROCRACIA ...................................... 210
Patrícia Grando
COMO ESTOU PENSANDO A REINVENÇÃO DE PAULO FREIRE NA MINHA
DISSERTAÇÃO? REFLEXÕES DE UMA ALUNA DE MESTRADO ............................. 218
Renata Scartezini Martins
(RE)INVENTAR SUA OBRA É POSSÍVEL? REFLEXÕES SOBRE O SABER
E O FAZER EM EDUCAÇÃO ........................................................................................ 228
Renata Signor
CONFISSÕES A UM GRANDE EDUCADOR! .............................................................. 235
Solange Kappes
Parte III – PARCERIAS DIALÓGICAS
TECENDO DIÁLOGOS E ALINHAVANDO ESPERANÇAS:
CARTA PARA PAULO FREIRE .....................................................................................248
Bianca Mattia Gollo
REINVENTANDO PAULO FREIRE
NA FORMAÇAO DE LIDERANÇAS POPULARES ...................................................... 254
Ivanio Dickmann
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
9
Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de
que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos,
“programados, mas, para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa
capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos
do processo nos façamos. (Paulo Freire)
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
10
CARTA-PREFÁCIO
Pós-graduação Stricto Sensu
em Educação e a reinvenção das
diferentes experiências educacionais
Fernanda dos Santos Paulo
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
11
A realidade que nos cerca perpassa por diferentes aspectos sociais,
econômicos, pedagógicos, políticos e culturais e, nesse cenário de pandemia
da COVID-19, Paulo Freire tem sido um educador teórico-prático que vem
contribuindo para a análise do atual contexto.
No Brasil estamos vivenciando vários movimentos educacionais,
no âmbito escolar e não escolar, que vêm produzindo um processo de cons-
trução e reinvenção de diferentes experiências educativas. Nesse sentido, na
coletânea apresentada, localizamos textos de suma importância para as re-
flexões sobre a necessidade de afirmação e constituição de um paradigma
pedagógico situado e embasado na Educação Popular freiriana. Paulo Freire
é mencionado neste livro quase duzentas vezes, sendo que as obras mais
citadas foram Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu-
cativa e Pedagogia do Oprimido.
A coletânea está organizada da seguinte forma: 1) Carta de apre-
sentação; 2) Parte I, intitulada como Didática Freiriana - contendo nove
textos; 3) Parte II, com o título Cartas da Reinvenção, com vinte cartas; e, 4)
Parte III, Parcerias Dialógicas, com duas cartas. O interessante é que os
autores e autoras deste livro são estudantes, pesquisadores e pesquisadoras
que participaram do componente curricular do Mestrado em Educação da
Unochapecó denominado: Paulo Freire: legado e reinvenção, sob a respon-
sabilidade do professor Ivo Dickmann.
Reinvenção é um conceito tão importante nas obras de Paulo Freire
que consta desde a sua tese intitulada como Educação e atualidade brasilei-
ra (1959) até o livro Pedagogia da autonomia (1996) – a obra mais citada
nesta coletânea. Diante desta constatação e da leitura que realizei dos textos,
convido os leitores e leitoras a lerem a obra que apresenta textos e cartas que
retratam a práxis político-pedagógica de educadores e educadoras freirianas.
O compromisso e a satisfação de quem faz pesquisas em educação
são o de socializar os resultados de suas investigações e socializar suas expe-
riências pedagógicas com outras pessoas, cuja função social e política da
produção do conhecimento são a de pronunciar o mundo para construir
processos educativos transformadores. A reinvenção das diferentes experiên-
cias educacionais é um percurso necessário da efetivação da Educação Popu-
lar revolucionária, a qual é pautada pela práxis libertadora. A pedagogia da
Reinvenção é um desafio e um compromisso ético-político de todos/as nós e
as Cartas Pedagógicas são a concretização desta pedagogia.
Porto Alegre, 15 de julho de 2021.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
12
CARTA DE APRESENTAÇÃO
Reinventar a produção de
conhecimento na Pós-graduação
Stricto Sensu em Educação
Ivo Dickmann
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
13
Esse livro tem uma história bonita de partilha de conhecimento e
troca de experiências, além de ser resultado de dois anos de reflexão num
componente curricular do Mestrado em Educação da Unochapecó que é
compartilhado com quem quiser participar, que se chama Paulo Freire: legado
e reinvenção.
Esse componente curricular é resultado da Cátedra Paulo Freire que
temos aqui na universidade desde 2016 – quando aprovamos em Santiago do
Chile junto ao Fórum Internacional Paulo Freire – que existe em todos os
continentes, a possibilidade dessa experiência freiriana com maior intensida-
de aqui no interior de Santa Catarina.
Essa disciplina de modo particular, desde o primeiro ano vem sendo
gestada por mim e cada ano tem um enfoque diferente: em 2017 dialogamos
sobre a obra Educação como prática da liberdade; em 2018 trabalhamos a
Pedagogia do Oprimido; em 2019 falamos sobre a Didática Freiriana e em
2020 nos preparamos para o Centenário de Paulo Freire tratando do proces-
so de reinvenção de sua práxis.
Assim, em 2019, motivei os mestrandos e mestrandas, a escrever
cartas pedagógicas para Paulo Freire, num processo de redimensionar as
sínteses ao final do processo, produzindo um diálogo profundo com o legado
freiriano a partir da Didática Freiriana, onde por dez encontros olhamos
para cada uma das “pedagogias da didática freiriana”, percebendo como elas
vão se constituindo como uma reinvenção do Método Paulo Freire.
Em 2020, em plena pandemia, as aulas começaram online, tivemos
encontros presenciais e depois retornamos para aulas online, mas isso não
diminuiu o comprometimento da turma com o estudo da pedagogia freiria-
na. Nesse ano tivemos a presença de estudantes do Programa de Pós-
graduação em Educação (mestrado) e do Programa de Pós-graduação em
Ciências da Saúde (mestrado e doutorado). Ao final, instiguei aos mestran-
dos/as e doutorandas a escrever uma carta pedagógica para Paulo Freire a
partir da seguinte pergunta: como vou reinventar Paulo Freire na minha disserta-
ção/tese? O resultado vocês podem conferir no livro.
* * *
Esse movimento de escrita de cartas já é em si um processo de rein-
venção, visto que na Academia espera-se que se escrevam artigos científicos,
papers, resumos expandidos... Mas o rigor científico muitas vezes dá lugar ao
cansaço acadêmico de tantos pedidos de artigos ao final das disciplinas. As
cartas revigoram o interesse dos estudantes pela produção de outro tipo de
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
14
conhecimento, fazem ali o exercício de outras formas de escrita, dialogam
com a sua realidade, estabelecem relações dos textos estudados com o tema
da dissertação e da tese com o pensamento e a práxis freirianas, se desafiam
a dialogar com Freire de forma direta, sem atravessadores, enfim, produzem
uma carta pedagógica que ensina-e-aprende no quefazer acadêmico.
Acredito que é possível pensar em formas sérias e com rigor científi-
co de produzir conhecimento na pós-graduação que não passam pelas for-
mas tradicionais, não porque nego o artigo como produto de uma metodolo-
gia consolidada historicamente de fazer ciência, mas penso que não é só o
artigo que tem em si tudo o que se produz na pós-graduação. Falo da impor-
tância de registrar a práxis dos estudantes, seus sentimentos e emoções no
processo de tessitura da dissertação e da tese, da relação dialógica e amorosa
na orientação, no sofrimento e dor de não ter tempo disponível para a pes-
quisa – seja pela falta de liberação da escola ou impossibilidade de largar o
trabalho pelo salário para o sustento da família – bem como das alegrias de
cumprir a missão, realizar o sonho, deixar um legado.
Não são todas as pessoas que se deliciam lendo artigos, tem gente
que prefere ler uma carta que – se bem escrita – instiga a responder, a dialo-
gar, a compartilhar... E isso, dá mais resultado e transforma mais os lugares
de vivência, as escolas, as unidades de saúde, as universidades que os artigos
científicos escritos e publicados em inglês. Por mais duro que posso ser,
afirmo: o artigo já não está mais sozinho no lugar central da produção do
conhecimento na pós-graduação, outras formas de conhecimento aparecem
todos os dias com a nova geração de pesquisadores e pesquisadoras que vêm
ocupando esse espaço acadêmico. Isso é parte do processo permanente de
reinvenção de que trata essa obra coletivamente amorosa, vivemos tempos
de reinvenção do legado de Freire, da Academia, de nós mesmos!
* * *
Último recado para você que lê esse livro: Ele é um livro-educador.
Você vai perceber que no final de cada parte do livro há um espaço para
preencher que chamamos de síntese do texto. Registre ali numa palavra o resu-
mo do que você leu, depois amplie para uma ideia-força com uma frase e,
finalize com um parágrafo o que você vai fazer com esses novos conhecimen-
tos, que atitudes novas eles mobilizam na tua prática pedagógica. Depois
você tem um espaço para uma imagem pedagógica que é para quem quer se
expressar para além das palavras. Use a tua criatividade. Boa leitura!
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Parte I
DIDÁTICA
FREIRIANA
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
16
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Como contar minha experiência,
se não praticando com esta carta!
Ana Maria Pereira Puton
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Remetente: Ana Maria Pereira Puton
Destinatário: Paulo Freire
Chapecó, 17 de janeiro de 2020.
Estimado Professor Paulo Freire,
Com satisfação, respeito e entusiasmo escrevo esta carta, que repre-
senta um desafio, mas também orgulho de escrever sobre mim e minha rela-
ção com a Educação Popular.
A Carta Pedagógica era um mecanismo de sistematização e produ-
ção que eu até já tinha ouvido falar, mas de fato não conhecia e em minhas
práticas nunca havia utilizado. A provocação das aulas da Cátedra Paulo
Freire - disciplina optativa, que escolhi e foi fundamental fazer - trouxe essa
possibilidade de novo aprendizado.
Esse momento de encantamento, medo e desafio no Mestrado em
Educação, marca uma nova etapa da minha vida e em meio a trabalhos aca-
dêmicos com rigor metodológicos tão fechados, realizar uma atividade com
outro método como a carta, é muito agradável. Não que eu não compreenda
a necessidade, do rigor metodológico e da importância de escrever, os quais
você em sua obra Pedagogia da Autonomia nos escreve tão bem e com tan-
tos detalhes. E o Senhor nos escreve que “rigorosidade significa trabalhar
para aproximar os educadores dos objetivos cognoscíveis, aprender critica-
mente com criação, investigação, pesquisa a partir das experiências” (Freire,
1996.p 26). Essa obra para quem quer ser um educador freiriano é uma bí-
blia, em minha humilde opinião.
Mas professor Paulo, preciso lhe contar quem sou, de onde vim, afi-
nal preciso dizer minha palavra, sobre a minha realidade. Me chamo Ana
Maria, sou pedagoga de 16 anos, casada e tenho dois lindos filhos.
Trabalho em uma universidade comunitária há 17 anos, e nesta ins-
tituição atuei em diversos setores, inicialmente em funções administrativas e
a 13 anos em atividades de extensão. Nesta etapa começa meu encontro com
a Educação Popular.
Em 2006 iniciei atividades na Incubadora Tecnológica de Coopera-
tivas Populares da Unochapecó, primeiramente como auxiliar administrativa
e mais tarde como Técnica de Extensão, onde direcionei minhas atividades
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
19
mais voltadas a equipe de atuação e com os grupos de atuação externa, se-
jam empreendimentos e entidades de apoio da Economia Solidária (Ecosol)
e ou cursos de capacitação.
Uma Incubadora (social ou popular) é um espaço ligado geralmente
às Universidades como processo de atuação de extensão acadêmica, com o
objetivo de contribuir com os conhecimentos acadêmicos para a comunida-
de, na comunidade. Busca contribuir com a capacitação coletiva, formação
cidadã e trazer para dentro da universidade às demandas emergentes desta
comunidade, para que sejam pensadas com vistas a formular ideias e solu-
ções mais adequadas e efetivas. Uma ITCP é uma unidade acadêmica interdisci-
plinar de ensino, pesquisa e extensão, cujo o objetivo é fazer interagir o meio universi-
tário e os grupos de trabalhadores/as, que tentam empreender economicamente de
forma coletiva - solidária e autogestionária - de maneira a apoiar a formação e conso-
lidação dos empreendimentos, e ao mesmo tempo, transformar a universidade, apro-
ximando-a dos interesses, desejos e necessidades dos setores populares. Isto é feito atra-
vés de um processo intenso de trocas de conhecimentos práticos e teóricos e de uma
construção compartilhada de novos conhecimentos, entre a incubadora e os grupos de
trabalho associados. (CRUZ, NUNES, TILMANN, VECHIA. 2011. p. 116).
A Incubadora é um dos entes do processo ou da Rede de Economia
Solidária e como tal, pertence e fomenta esse processo da Ecosol que é “outro
modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do
capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os
que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por
igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidarie-
dade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redis-
tribuição solidária da renda. (Singer, 2002. p. 10)
Paul Singer é nosso grande e principal autor dos escritos de Econo-
mia Solidária, também um militante e lutador dessa proposta. Você professor
Paulo também contribui afirmando em seu texto que “a Economia Solidária
como ato pedagógico”, que a Ecosol pode ser considerada um ato pedagógi-
co quando e por que se propõe a ser uma pratica social e que por isso, precisa
e depende de aprender e viver os valores atribuídos a ela. (Freire, 2005).
No Brasil de acordo com Singer (2002), desponta desde a década de
90 as atividades econômicas organizativas de Economia Solidária e estas,
puderam ser mais evidentes com os incentivos e projetos de fomento. Foi
assim que passou a ser vista e considerada como um novo formato organiza-
tivo, de crédito, produção e comercialização. Meio com o qual, a população
- excluída ou à margem dos processos capitalista de produção - poderia con-
tar para se fortalecer e se desenvolver, de modo cooperativo, associativo,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
20
através de objetivos coletivos e comuns como a solidariedade, o respeito à
natureza, aos sujeitos, e com um comércio mais justo.
Não é novidade para você professor Paulo que a Ecosol se organi-
zou enquanto movimento e construiu uma rede de apoiadores, empreendi-
mentos, organizações com objetivos comuns, entidades de apoio que em
quase duas décadas desenvolveram diversas ações de fortalecimento do pro-
cesso.
Dentre as conquistas, a luta por um espaço no governo que resultou
em uma Secretária Nacional (SENAES), a qual, teve o papel de organizar
programas de apoio e financiamento, além de um espaço de regulação, deli-
beração, mas principalmente de apoio. Das ações nasceram os Fóruns em
níveis nacional, estadual e regional. Antes disso, já haviam algumas entida-
des do terceiro setor, bem como, organizações que desenvolviam ações e que
foram fortalecidas nesse processo de plano de governo.
Então Professor Paulo, houveram as etapas de mapeamento dos
empreendimentos e entidades de apoio no Brasil, as quais resultaram em
desfechos importantes para as ações de apoio, como número de empreendi-
mentos, tipos de atividades, número de integrantes, quantidades e tipos de
entidades de apoio, entre outras informações cruciais.
E como é de seu conhecimento a Ecosol é um espaço amplo de or-
ganização e de projeto de vida, afinal Professor Paulo, você conhece muito
bem a Economia Solidária, foi inclusive convidado a pensar junto com os
idealizadores e militantes, como o Professor Paul Singer, Moacir Gadotti,
entre outros. O que buscavam era melhores meios de organizar o processo de
formação/capacitação. Sua colaboração foi fundamental, já que, desde o
início das ações, tal processo formativo para uma nova economia, seguia os
princípios e objetivos de uma educação para a formação cidadã, para auto-
nomia dos sujeitos e que forma melhor do que fazer isso, senão através da
Educação Popular.
Nesse ínterim, o professor Moacir Gadotti, (2009.p 36) diz que “as
pedagogias clássicas não dão conta da riqueza de uma nova realidade econômico-
política[...]O ensino da autogestão é um exemplo prático. Como ensinar autogestão?
Só pelo exemplo. Não dá para ensinar autogestão com “lições de autogestão”. Como
não dá para ensinar democracia com “lições de democracia”. Parafraseando sua
obra, Gadotti afirma que ninguém educa ou forma ninguém e todos apren-
dem juntos, “em comunhão”.
Mas eu preciso falar mais sobre a minha experiência freireana na
Ecosol e como me descobri uma educadora popular. Já que, descrevi breve-
mente que a Ecosol se pauta na Educação Popular, é justamente o modo
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
21
como a incubadora se organiza metodologicamente para a formação, seja
internamente para a capacitação de sua equipe, a qual atua na formação dos
empreendimentos, também como essas equipes e seus educadores populares
se organizam para construir os momentos de capacitação com os sujeitos dos
empreendimentos, e estes por sua vez, ao participarem desse processo, po-
dem se desenvolver com, e no, trabalho formativo, se o processo for dialógi-
co.
Para entender o processo dialógico e outros conceitos, recorri, lógi-
co, as obras da Pedagogia do Oprimido e obras de diversos outros autores
que descrevem o método.
Sendo assim, na incubadora que está dentro do movimento de Eco-
nomia Solidária, o processo metodológico é a chave principal para a atua-
ção. Essa atuação, como já mencionei, integra as ações do dia a dia da incu-
badora, do seu processo de sistematização - que você professor Paulo, tam-
bém evoca como etapa chave para memória e construção do saber - que é o
modo como a incubadora relata e se utiliza para avaliação, melhoria, plane-
jamento de suas ações, também serve como material para as produções.
Sabe professor...sistematizar minhas experiências diárias, de ativi-
dades e até mesmo como relatórios de avaliação do meu trabalho, era algo
tão difícil, pois parecia que eu não tinha capacidade, ou parecia que minha
percepção não seria de fato muito importante como o que estava contido em
livros e cartilhas, mas fui aprendendo nas rodas de discussão, nos diálogos,
tanto com a equipe, quanto com os grupos, o valor do que se escreve e a
importância para a linguagem, para o desenvolver da escrita e para o pensar.
“Não há docência sem discência” Freire (1996.p. 21)
Quanto à formação dos formadores, a minha inserção primeira foi
em obras freirianas como Pedagogia do Oprimido, Educação como Pratica
de Liberdade, Pedagogia da Autonomia, estas as que li para melhor enten-
der, não necessariamente o método, mas naquela etapa da minha vida, en-
tender os sujeitos ”oprimidos”, entender como acontecia a situação de estar
a margem de tudo, entender a vulnerabilidade, a desumanização, a situação
de prostração que muitos sujeitos se colocam, e é claro que eu tive os media-
dores nesse processo.
Com tudo isso, ou com tão pouco disso tudo que existe para apren-
der, pois quanto mais me aprofundava, mas tinha noção que pouco sabia, fui
aos poucos me dando conta de meu inacabamento. Mas se perceber inaca-
bado (sábia frase tua!), traz medos, traz angústias inicialmente e de repente
eu precisava assumir posturas, precisava mudar. Porque “ensinar exige en-
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
22
tender que a educação é uma forma de intervir no mundo” (FREIRE, 1996.
p. 98).
Antes de mais nada, eu precisei me descobrir, me entender (Pedago-
gia do Oprimido). Eu sempre me identifiquei com meu trabalho com a popu-
lação em situação econômica fragilizada, afinal minha origem é de pobreza,
dificuldades diversas no meu entorno, mas especialmente em minha infância
a realidade local era de vulnerabilidades. Porém, socialmente comecei a me
entender como “povo” da margem, como um ser social que viveu processos
semelhantes de exclusão e preconceitos. Apesar de ter uma rebeldia presente
em relação à minha origem, e estar em processo de desvelamento da auto-
nomia pessoal, por conta da minha formação e trabalho, ainda assim eu não
conseguia ter muito noção de minha alienação. Sair do ciclo de alienação
sobre mim e minha origem, vivência histórica, foi crítico, foi difícil, mas
libertador. Esse foi um dos maiores legados da minha formação e continua
sendo, meu auto desvelamento, meu autoconhecimento.
É claro que para atuar numa incubadora com formação de formado-
res, ou mesmo com capacitação e formação do público, foi preciso ler, escre-
ver, entender, pesquisar, conhecer outras teorias, obras, autores de diversas
áreas como: economia, política, cooperativismo, administração, desenvol-
vimento sustentável, agronomia, nutrição, psicologia, biologia etc...até por-
que, uma das vantagens de se estar em uma incubadora é o processo inter-
disciplinar, que congrega as diversas áreas do conhecimento para objetivos
comuns, que são as demandas sociais.
Nesse processo interno de capacitação, tive o privilégio de aprofun-
dar saberes, conhecer novas teorias de outras áreas e perceber que os saberes
são (ou precisariam ser) interligados, assim como na vida humana, em que o
corpo físico e o espírito precisam estar em semiose, em harmonia. E se des-
cobrir no processo faz parte da “práxis”, ou seja, da relação constante do
fazer, da teoria e pratica avaliada e revista, e testada, e vivida novamente.
No caso acima, professor Paulo eu escrevo considerando Kosik
(2002) sobre a dimensão da práxis como processo ontocriativo de possibili-
dade humana, com a qual nos permitimos um processo de abertura para a
realidade em geral. E essa práxis envolve o processo de criação como ativi-
dade humana, compreender esse processo laborativo e existencial, que pode
revelar nossa essência, o universo e nossa realidade.
Considerando também a afirmação na obra de Gadotti (2009. p. 14)
que ao fazer da Economia solidária subentende uma práxis educativa porque
se pretende socializar aprendizados individuais e coletivos confrontados,
criticados e incorporados nas práticas diárias.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Acho que me constitui uma educadora popular na prática, na minha
vivência, e demorei para me compreender nesse processo.
Considerando minha formação em Pedagogia, uma trajetória de
atuação na Economia Solidária, como agente de educação popular e as tan-
tas vivências, também minha trajetória de experiência de trabalho na exten-
são e agora como estudante de mestrado na área da educação, penso que,
assim como o senhor, o fazer, a construção de autonomia, a pratica educati-
va exige diversos saberes, e esse é um processo constante. Sou um ser inaca-
bado, me sinto assim. Isso traz alento, e ao mesmo tempo sensação de que
preciso buscar e aprender mais.
Te conto ainda professor Paulo que nas disciplinas da Cátedra, tive
acesso aos escritos do professor Ivo Dickmann, sobre a Pedagogia freiriana,
ele que é um freiriano, que escreve, ensina e se constrói nesse processo, é um
exemplo. Já o conhecia também do movimento da Economia Solidária, ele
também um empreendedor e apoiador dos ideais do movimento através do
cooperativismo. Mas voltando aos escritos, desse exímio escritor e sistemati-
zador de experiências atuais e recentes, pude rever e compartilhar com cole-
gas, novas e velhas visões sobre a educação popular e isso é fantástico.
Um dos grandes aprendizados com a disciplina da Cátedra, e as
obras suas, penso ser essa provocação sobre nosso inacabamento. Mas tam-
bém, enquanto educadores, sobre nossa importância como sujeitos, de ser o
que somos, nos respeitando e nos conhecendo para sermos e ou continuar-
mos sendo os atores de nosso crescimento.
Embora, quem lê, estuda e saboreia as teorias e obras dos mais di-
versos autores, “conversa” e faz trocas com eles através de suas obras, é
sempre valioso poder conhecer “fisicamente” nossos “professores”. Gostaria
de ter lhe conhecido pessoalmente, como conheço o professor Ivo nas expe-
riências de sala de aula, assim como conheci (mesmo que brevemente em um
evento de Economia Solidária) o professor Paul Singer, que em sua velhice
serena e vitoriosa, demonstrava antes de qualquer coisa “amorosidade” com
tudo e com todos. Há, como não admirar tanto saber, conhecimento, experi-
ência de vida envoltos em tanta humildade, como isso é possível? “Quem
ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE,
1996, p. 23).
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Referências
CRUZ, Antônio; NUNES, Tiago; TILLMANN, Reinaldo; VECHIA, Rena-
to Della. A rede de ITCPs - Passado, Presente - E alguns desafios para o
futuro. Revista Diálogos: Canoas. 2011. nº 18. p. 115 - 144.
GADOTTI, Moacir. Economia Solidária como práxis pedagógica. Livraria
e Editora Paulo Freire: São Paulo. 2009
SINGER, Paul. Introdução a Economia Solidária. Editora Fundação Per-
seu Abramo: São Paulo. 2002
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à pratica
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção Leitura)
_____. Educação como prática de liberdade. Editora Paz e Terra: Rio de
Janeiro. 1967.
_____. Pedagogia do oprimido. 17a. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
_____. A economia Solidária como ato pedagógico. In: KRUPPA, Sonia
Ma. Portella (org.). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos.
Brasília: Inep/Mec. 2005.p. 13 - 20.
KOSIK, Kasel. Dialética do Concreto. 7. ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro.
2002. p. 217 – 227.
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Carta aos educadores: aos quais,
assim como eu, o percurso
formativo tem início e não
deve ter fim...
Andréia Stochero Binelo
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Chapecó, 04 de março de 2020.
Eu nasci no interior da cidade de Palmeira das Missões, Rio Grande
do Sul em 1980. Meu percurso formativo teve início no ano de 1986, na 1º
série, pois o pré-escolar ainda não havia sido implantado. Assim, com seis
anos de idade iniciava a educação básica na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Almirante Tamandaré, onde minha mãe atuava como docente
e foi minha primeira professora.
Em 1995, na cidade de Palmeira das Missões, cursei Ensino Médio
em Magistério, com duração de 04 anos e mais seis meses de estágio curricu-
lar nos anos iniciais. Obtive diploma de habilitação profissional plena para o
Magistério, com o título de professor de ensino de 1° Grau de 1° a 4° série.
Trabalhei com educação de Adultos – Mova, ministrando aula na
escola onde iniciei meus estudos e depois, devido à necessidade, nas casas
dos educandos, onde ficava mais próximo das pessoas que ainda eram anal-
fabetas. Tempo de troca de experiência rica com pessoas que não tiveram o
mesmo incentivo e condições de estudar, como minha família me proporcio-
nou. Foi assim que conheci as obras de Paulo Freire.
Após o casamento e a mudança de estado, residindo até hoje em
Chapecó, Santa Catarina, por incentivo de meu marido, residimos próximo
a Universidade, e exigência de meus pais de não parar de estudar, ingressei
no curso de Licenciatura em Pedagogia, habilitação em Educação Infantil e
Séries Iniciais.
Neste curso de licenciatura, desenvolvemos um projeto de extensão,
onde ministramos curso para alunas do magistério na cidade de Xanxerê,
Santa Catarina. Teve troca de experiências e aprendizagens, pois na turma
tinha cursistas com deficiência e ficamos sabendo quando começamos. Ti-
vemos que nos inteirar dos tipos de deficiência, da necessidade de adaptação
dos materiais, para atendermos as necessidades especiais delas, pois eram
duas cursistas com deficiências distintas. Assumindo assim, o compromisso
e a postura de educador, repensando a prática já planejada, para de fato
acontecer à inclusão com êxito.
Ao iniciar a primeira licenciatura optei por atuar como estagiária em
um Centro de Educação Infantil Municipal de Chapecó, pelo período de
dois anos. Posteriormente, atuei como Professora da Educação Infantil na
rede particular de Ensino de Chapecó e como Professora Estadual dos Anos
Iniciais. O que me trouxe experiência concreta.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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A experiência prática enriqueceu a teoria, que ficava mais fácil de
ser entendida quando aplicada. Nesse tempo, as estagiárias participavam e
auxiliavam as professoras, no planejamento dos projetos, na escolha dos
temas geradores, através da observação das crianças, na problematização e
nas atividades a serem desenvolvidas. Auxiliava no desenvolvimento das
atividades, pois sabia o objetivo delas. A Secretaria de Educação Municipal
utilizava a teoria de Paulo Freire e fazia formação de professores periodica-
mente com a participação da gestão, educadoras e estagiárias.
O estágio da graduação ficou muito mais tranquilo, pois conhecia a
organização, a rotina e a maneira que eram conduzidas as aulas, o que ser-
viu de base para o planejamento das atividades desenvolvidas. Como afirma
FREIRE, Paulo, no livro Educação e mudança. Tradução Lilian Lopes Mar-
tin. 2º ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 34, “A educação é
uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem,
porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto o leva à sua perfeição. A
educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o
homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser
objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.”
Foi um tempo rico em construção do conhecimento, no coletivo e
na prática da sala de aula no planejamento, execução e avaliação de cada
atividade e de cada dia.
Em 2008, sentindo a necessidade de agregar mais conhecimento,
iniciei a Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia na Faculdade Empre-
sarial de Chapecó - Celer Faculdades, com carga horária total de 450 horas,
dentre elas 90 horas destinadas à elaboração da monografia com o título:
“Mediação/intervenção do/a educador/a no momento das brincadeiras de
faz-de-conta.”.
No ano de 2009, trabalhei como segunda professora de turma nos
anos iniciais, do Ensino Fundamental na Rede Estadual, experiência valiosa
e instigante, a qual fez com que eu pensasse minha prática como educadora,
percebendo a necessidade de formação específica para trabalhar com a inclu-
são. Iniciei, assim, a segunda licenciatura, em Educação Especial em 2010.
Um marco em minha vida profissional foi ser orientadora de estudos
do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio - PNEM, na escola
estadual onde atuo. Com carga horária de 200 horas, divididas em dois anos.
Nossa formação era oriunda de um orientador regional da Gerência de Edu-
cação e, também, de formadores regionais da Universidade Federal da Fron-
teira Sul – UFFS.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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O Curso aconteceu de 2014 a 2015. Nesse período de estudo, com-
partilhamento de saberes e trocas de experiências entre as áreas, realizamos
várias análises e questionamentos em relação à formação de professores.
Tendo em vista as mudanças que ocorrem constantemente, com jovens e
adolescentes no Ensino Médio e, especificamente, no turno noturno, que foi
alvo de nossa análise, investigação e diagnóstico. O registro foi feito com a
produção de artigo, pelo grupo, com as análises e dados levantados.
Essa formação aconteceu no espaço da escola, tendo como priorida-
de o diálogo e a reflexão, sempre aliando a teoria à prática, focando no que
propõe o Projeto Político Pedagógico da escola, rediscutindo-o e promoven-
do ações para sua reformulação, tendo em vista o redesenho curricular a
Unidade Escolar e suas práticas pedagógicas. A formação teve como metas a
promoção da qualidade do Ensino Médio, ampliação de espaços de forma-
ção, reflexões e o incentivo do desenvolvimento de um currículo com foco
na formação humana integral.
Desta experiência de formação como orientadora de estudos do Pac-
to Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio - PNEM foi publicado
um livro, por regional do estado de Santa Catarina, com o título “Professores
do Ensino Médio em formação: saberes e experiências”. Foram selecionados
alguns artigos para serem publicados. Meu grupo de pesquisa foi contempla-
do para publicação, com o título “O contexto do Ensino Médio noturno na
Escola de Educação Básica Tancredo de Almeida Neves: juventudes, traba-
lho e escola”. Para elaborar esse artigo, além do contexto histórico, das legis-
lações vigentes, também realizamos uma pesquisa de amostragem, com to-
das as turmas do Ensino Médio noturno, analisando e teorizando.
Após a conclusão da segunda licenciatura dei sequência à contínua
capacitação profissional, fazendo cursos de formação continuada. Em 2018,
devido às grandes mudanças previstas na educação, decidi cursar a segunda
Pós-graduação Lato Sensu, em Fundamentos e Organização Curricular, ten-
do como base o estudo da Base Nacional Curricular e das legislações educa-
cionais vigentes.
O percurso formativo, o qual perpassei, foi base para observações,
análises críticas e questionamentos de fatos que ocorrem nas Unidades de
Educação. O que proporciona inquietações, provocações e busca de respos-
tas sobre a formação do educador, e da necessidade de conhecermos, de
estudá-la. A partir da base foi reelaborados os currículos estaduais e munici-
pais, provocando a mudança das metodologias e das práticas educativas para
a formação de habilidades e competências.
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Essa foi a inquietude que me levou a cursar mestrado em educação,
em pensar em como será a ressignificação das práticas pedagógicas e da
produção do conhecimento, a partir da Base Nacional Comum Curricular.
Percebendo ainda mais a necessidade de um aprimoramento no conhecimen-
to, de pesquisar sobre o contexto apresentado, a fim de responder a essas
inquietações, neste novo cenário que está se desenhando.
Enfim, temos que sempre estar em busca pelo conhecimento, nas
trocas de experiências com os colegas, nos estudos das teorias, nas análises
da realidade em que vivenciamos e na busca pelo conhecimento também nas
universidades.
Como Freire diz que temos, enquanto educadores, de estar à altura
da nossa tarefa, e não importa a idade de nossos educandos e o tipo de defi-
ciência, todos merecem ter o melhor profissional e as melhores aulas: “Pro-
fessor que não leva a sério sua formação, que não estude, que não se esforce
para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as ativi-
dades de sua classe.” Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo, 1996, p. 103.
Espero que minha experiência sirva de incentivo a quem está inici-
ando seu percurso formativo e também a quem está acomodado.
Seguimos na luta, por sermos melhores a cada dia.
Atenciosamente.
Andréia Stochero Binelo
Mestranda em Educação
Assistente de Educação Estadual
Professora da rede municipal de ensino de Chapecó
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Carta pedagógica aos meus
amigos e colegas professores
Charlene Pereira
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Abelardo Luz, 20 de janeiro de 2020
Olá meu amigo professor, é com grande alegria e satisfação que es-
tou lhe escrevendo para contar-lhe sobre as minhas descobertas. Estou sumi-
da nos últimos meses e possivelmente ficarei sumida mais algum tempo, mas
quero te contar pelos caminhos que estou andando e compartilhar contigo
tudo o que tem me feito crescer.
Sabe, ano passado recebi uma ligação que me trouxe até o lugar on-
de me encontro hoje, que me mostrou essa direção e realmente esse é um
caminho tão lindo e apaixonante que não tem mais volta, com muita alegria
lhes informo que não serei a mesma pessoa após essa caminhada.
Nunca achei que poderia estar aqui, apesar de muito querer o Mes-
trado sempre parecia distante tanto pela questão financeira quanto pelo tem-
po que teria que disponibilizar para me dedicar aos estudos, mas percebi que
quando a gente realmente quer algo e mesmo com muitas dificuldades po-
demos sim é só acreditar.
Ao chegar aqui percebi o quanto somos pequenos em conhecimento,
o quanto a nossa leitura do mundo educacional é reduzida. Posso estar equi-
vocada, mas estou tendo acesso a leituras que jamais imaginei e que tem
contribuído com o meu crescimento tanto pessoal quanto profissional.
Estudei muitos autores como Adorno e Horkheimer que me fez
entender que o esclarecimento nem sempre é salvador, que quanto mais
esclarecido o ser humano mais atrocidades ele pode cometer e a barbárie
acontece não somente contra a humanidade e a natureza, mas em relação a
nós mesmo.
Aprendi que somos muito mais freirianas do que imaginamos,
quando esperamos nossos alunos de braços abertos, quando damos aquele
colo necessário, aquele afago ou simplesmente quando ouvimos nossos alu-
nos nos seus anseios diários, praticamos a pedagogia da acolhida, pois não
somos os protagonistas no processo educacional, somos apenas coadjuvan-
tes, necessitamos acolher e dar valor ao conhecimento do outro.
Que somos freirianos quando deixamos de dar as respostas prontas e
problematizamos as perguntas, quando indagamos ao aluno o que esse con-
teúdo pode trazer de beneficio para sua vida, quando deixamos de nos preo-
cupar com as respostas técnicas e passamos a dar valor para as indagações
que os conteúdos podem causar nos nossos alunos.
Que quando passamos a trabalhar em cima da realidade que nossos
alunos vivem e partilhar do conhecimento que eles possuem somos freiria-
nos.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Aprendi que as pedagogias defendidas por Freire vão além de con-
cepções pedagógicas, mas na vida de um grande professor viram sua maneira
de respirar.
Sabem, as vezes fico me perguntando o quanto tempo perdi longe de
tais conhecimentos, quanto tempo demorei para chegar até aqui e hoje vejo o
quanto teria sido diferente minha atuação em sala de aula.
Hoje consigo ver que aquele aluno quietinho no fundo da sala, tinha
muito a contribuir se eu tivesse usado a metodologia correta para atingi-lo.
Fico preocupada com os rumos que a nossa educação vem tomando,
pois não sabemos o futuro que nos espera e com as mudanças que nossos
governantes nos impõem, mal sabem eles da nossa realidade em sala de aula.
Fico preocupada com os colegas que muito tem trabalhado e pouco
tempo sobra para as formações, e quando estas chegam vem influenciada
pelas concepções dos gestores que muitas vezes não vem de encontro com as
dos professores.
Não podemos nos calar diante de tudo que vem ocorrendo, Freire
nos remete que a consciência critica nos emancipa, nos da a representação
das coisas e dos fatos como eles são, diferentemente da consciência ingênua
que nos domina.
Não devemos deixar que o sistema educacional com suas regras nos
limite a apenas a repetição. Devemos mostrar nosso papel nessa função soci-
al tão bela.
Quando decidi ser professora, sabia do quão grande era a minha
missão, decidi por que sabia o quanto a Educação das escolas do campo
necessitavam de professores críticos e que transformassem a Educação do
Campo do nosso município. Pois pensa-se que a educação, dentro de cada
necessidade, parte da realidade do aluno e deve ter papel fundamental para
ajudar na preservação das raízes culturais de cada sociedade específica. O
camponês, em especial o assentado, muitas vezes acaba negando inconscien-
temente sua própria condição de homem do campo, vendo-se como inferior,
ao invés de diferente do homem urbano, negando assim sua identidade cam-
ponesa com todos os valores e particularidades que o identificam, assumindo
outra em seu lugar.
Acredito que essa crise de identidade provém das suas limitações
sociais, econômicas e educacionais que lhe negam o acesso ao padrão de
vida que lhe permita usufruir os confortos propostos pela sociedade capita-
lista. Principalmente no caso da juventude camponesa, a cidade fascina,
apresenta mais alternativas e opções de conforto do que a vida de trabalho
duro nas pequenas propriedades de seus familiares.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Vejo que a educação do campo com sua pedagogia diferenciada,
busca a implantação de um aprendizado que identifique o camponês como
filho da terra e que tenha com ela uma estreita ligação de lutas, conquistas,
vida saudável, valores diferenciados e amor. Acredito que dentro dessa
educação está o germe para a transformação de toda a sociedade. A educa-
ção do campo questiona as estruturas sociais e a cultura que as legitima,
interrogando a sociedade.
Existe no Brasil uma garantia legal para que áreas indígenas, áreas
quilombolas, assentamentos e outros grupos sociais com histórias próprias
diferenciadas, tenham suas pedagogias específicas que lhes garantam a pre-
servação de seus valores, tradições, línguas, lutas e ideais ligados as suas
realidades. Porém, dentro de uma realidade onde prevalece a globalização
dos valores capitalistas consumistas e cada um é valorizado somente por
sua capacidade de gerar riquezas, torna-se difícil formar valores que comba-
tam a soberania do capital.
Estamos em tempos de novas sensibilidades em relação à pedagogia
e a formação de valores e humanização, por que está em perigo o futuro da
humanidade e esse deve ser um dos principais motivos por se estar em busca
de uma educação transformadora
Mesmo assim vivemos numa sociedade em que os valores são de
individualismo, máximo acúmulo de capital, consumismo, livre concorrên-
cia, desinteresse com o bem-estar social e com a preservação ambiental por
não ser lucrativo, enfim, valoriza-se o ter e não o ser. Por causa desses con-
flitos de valores, podem surgir consciências distorcidas, deslocadas da reali-
dade de convívio, gerando frustrações por se sonhar com uma coisa e se
viver outra.
Buscamos uma educação que tenha a realidade como ponto de par-
tida para se gerar novos conhecimentos, e como ponto de chegada para ligar
as novas teorias a prática vivenciada. Essa realidade pode ser a de um cam-
ponês que passa sua vida no campo, como pode ser a de um camponês que
no futuro tenha uma vida urbana. Então essa educação deve ser algo abran-
gente que auxilie o aluno numa análise profunda das mais diversas realida-
des sociais, das contradições e das forças que regem cada meio. Uma educa-
ção que não só repasse informações, mas que questione e desenvolva o senso
crítico deixando o aluno preparado para compreender sem ingenuidade o
que cada projeto diferenciado tem a oferecer e quais as consequências por ele
exercidas sobre a sociedade. Se existem contradições práticas e teóricas no
campo, que se entenda o porquê delas.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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A educação é o processo da formação humana em todas as suas
dimensões (social, afetiva, sexual, política, familiar, cultural etc.). Essa for-
mação vai muito além da escola. Ela ocorre através de todo processo históri-
co de cada indivíduo e de cada sociedade através da vivência e das experiên-
cias diárias. Por isso ela está sempre ligada a um determinado projeto políti-
co e a uma concepção de mundo.
Dentro da educação do campo trabalha-se com o objetivo de cons-
trução humana, orientando a vida das pessoas incluindo ferramentas cultu-
rais com uma leitura precisa da realidade em que vivem. Primeiramente,
para que se construa uma visão de mundo por parte dos camponeses é neces-
sário que as pessoas se percebam como parte do processo histórico, se ques-
tionando, organizando e revisando ideias e convicções sobre o mundo, sobre
a história, sobre a realidade mais próxima, sobre si mesmos. A visão de
mundo deve ser crítica aprendendo e ensinando a tomar posição diante das
questões do seu tempo, reconstruindo seu modo de vida, seus valores, sua
educação e suas utopias sociais.
Arroyo (2011, p. 8) relata que o silenciamento sobre pesquisas soci-
ais e educacionais do homem do campo é preocupante, aumentando assim o
esquecimento sobre esse assunto. O autor relata que as pesquisas sobre edu-
cação do campo não chegam a 1% as que se referem a educação escolar no
meio rural, neste sentido o movimento Por uma Educação do Campo surgiu
denunciar esse esquecimento.
Vejo o papel importante que a Educação do campo em nosso muni-
cípio tem e que ela pode transformar a vida dos nossos alunos e que está em
nossas mãos amigos professores essa mudança.
Por esse motivo estou lhes escrevendo, por que necessitamos abrir
nossos olhos, necessitamos de mais e mais conhecimento, de muitas leituras
não somente o que adquirimos na nossa formação inicial. Precisamos mos-
trar o quanto estamos preparados para trabalhar com as diversidades.
Espero que possamos nos encontrar logo e que eu possa contribuir
com a formação de cada um, por que eu ao retornar dessa caminhada estarei
transformada e com uma vontade enorme de estar na sala de aula outra vez.
Abraços meus amigos,
Professora Charlene Pereira
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Cartas pedagógicas: a Pedagogia do
Oprimido e a transformação da
práxis educadora
Daiane Altenhofen
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Maravilha - Santa Catarina
CEP: 89.874-000
22 de Janeiro de 2020
Querido Paulo Freire,
Meu propósito ao escrever carinhosamente cada palavra desta carta
é compartilhar contigo como sua obra, Pedagogia do Oprimido (2002), pro-
vocou-me a ponto de me transformar enquanto educadora. Essa metamorfo-
se que inicialmente é incômoda, pois nos tira os antolhos da cabeça, mas que
desta forma, nos permite ver o entorno do que antes era apenas uma peque-
na parte do todo e por isso, nos choca com nosso próprio despertar.
Esse processo de despertar foi uma oportunidade que veio ao longo
de proveitosas aulas da disciplina da Cátedra de Paulo Freire com o profes-
sor freiriano Ivo Dickmann, no mestrado em Educação, as quais resultaram
em profundas reflexões, mudanças no pensamento crítico e consequente-
mente, também em minhas ações. No conhecimento que nos foi comparti-
lhado, aprendemos a o admirar, olhando para você como um amigo e não
como um ídolo, buscando recriar suas pedagogias e não nos limitando a
sermos apenas transmissores de suas ideias como se fossem uma doutrina,
pois assim acabaríamos por findá-las na temporalidade da história.
No pano de fundo inicial das reflexões que gostaria de compartilhar
contigo, me apoio em Gadamer (2005) para explicitar que nosso modo de
pensar e agir no mundo são formados de acordo com nossa construção cul-
tural de valores, comportamentos e concepções de verdades, fruto da histori-
cidade e tradição que nos antecedem e continuam a agir sobre nós. No en-
tanto, como diz Thompson (1987), a busca pelo capital acima dos valores
têm transformado essa prática tão frequente e intensa que passa a ser “cultu-
ral”. Portanto, um fenômeno introjetado em nossa rotina de tal forma que a
mudança é um processo difícil, pois antes, necessita de conscientização.
Essa cultura passa a refletir em vários espaços da sociedade, inclusi-
ve na educação, por isso, perpetua-se com facilidade. Desde criança, em
tantas vezes que coloquei a mochila nas costas para ir à escola, estudar e
voltar para casa e repetindo isso na faculdade, durante boa parte da vida
nunca me questionei se isso poderia ser melhor. Na verdade, deixei de me
questionar sobre várias coisas, acreditando que tudo era do jeito que tinha
que ser, e ponto! E é essa a educação que vem se repetindo em vários ambi-
entes, educacionais ou não, formais ou informais e frequentemente, de ma-
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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neira inconsciente. Somos educados para escutar e obedecer, questionar não,
pois é uma afronta! Isso se repete até que, por algum motivo, ou melhor, por
alguma oportunidade, nos tornemos conscientes dessa situação, o que você
chama de situação de oprimido.
A situação de oprimido é praticada pela sociedade e consequente-
mente, reproduzida pela Escola através de uma Educação Bancária, a qual
representa uma projeção de nação ao transmitir seus ideais através do ensi-
no. A Educação Bancária teve suas origens principalmente na Revolução
Industrial, aonde o capitalismo e a objetificação do ser humano foram se
introduzindo como parte da cultura e do modo de vida da sociedade
(THOMPSON, 1987). Em vista disso, o que vemos repetidamente hoje é um
processo diário de alienação, de aborto da autonomia, criatividade e critici-
dade do educando através da padronização, mecanização e tecnicismo no
ensino de conteúdos sem ligação com a sua importância para o mundo do
educando, até que este se encaixe nos moldes da Educação Bancária.
Para o processo de despertar, por experiência própria, julgo que a
consciência é um passo muito importante para promover as mudanças mais
profundas que por conseguinte, se manifestarão externamente por meio de
nossas ações. Quando nos levamos para dentro da Pedagogia do Oprimido,
enquanto educadores, sofremos por uma desestruturação do que você nome-
ou de “absolutização da ignorância”, na qual acreditávamos que detínhamos
todo o conhecimento. Mas para uma Educação Libertadora, nossa cami-
nhada deve ser junto aos nossos educandos, demonstrando que um ato de
amor é permitir a fruição do conhecimento, criando um espaço para o diálo-
go. Nisso, como você diz meu amigo, não podemos nos fazer objeto um do
outro, nem podemos existir sem o outro, nos fazemos educadores através de
nossos educandos e juntos, fazemos a educação.
Penso que se desejarmos ser um educador libertador, ou um educa-
dor popular, não necessariamente precisamos fazer coisas mirabolantes, mas
apenas conduzir a construção do conhecimento como um diálogo aberto
com a realidade dos nossos alunos. O material da aula continua a ser os
conteúdos de antes, mas agora, problematizado essencialmente por aquilo
que vivemos todos os dias, que na rotina, condicionamos a uma “normali-
dade”, mas que são uma conjuntura de fenômenos que precisam ser repen-
sados. Vejamos isso através de fatos simples que acontecem no cotidiano,
como o mendigo pelo qual você passa para ir ao trabalho, os impostos altos
que são pagos e que não condizem com a qualidade do serviço público, o
desrespeito no trânsito, o enfraquecimento das relações pessoais entre cole-
gas de trabalho e familiares, a valorização do consumo e a negligência das
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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consequências do modo de produção industrial e inúmeras outras questões
que acabam sendo aceitas com naturalidade e que no entanto, tem um im-
pacto devastador para a dignidade humana e sustentabilidade.
Dessa forma, a mentalidade opressora acaba por instalar-se em nós
mesmos, consciente ou inconscientemente, seja através da aceitação dessas
“normalidades” e por vezes, até mesmo a prática delas. Por exemplo, será
que não somos opressores ao ensinar como se fossemos a voz da sabedoria e
da razão? Ou talvez, seguindo um planejamento de aula, pretendendo termi-
nar de passar os conteúdos para então aplicar a prova e garantir pelo menos
3 notas para a média bimestral e acreditar que uma nota boa na prova vai ser
o suficiente para formar integralmente um aluno? Acredito que provavel-
mente todos já vivenciamos isso como alunos ou como professores.
A partir disso, suas palavras ressoam como uma chance de desacor-
rentar-nos das ilusões que nos são impostas como verdades. Assim como no
mito da caverna, escrito por Platão, vivemos em determinada realidade que
representa apenas a sombra do que realmente acontece no mundo exterior,
conhecendo limitadamente o que nos permitem ver, pois a sociedade do
capitalismo tem nos ensinado a sermos submissos e dependentes dos siste-
mas que a operam. Por isso, a Pedagogia do Oprimido pode despertar-nos
para nossa criticidade, e além disso, para nossa capacidade de transformar a
partir dela.
Tendo consciência da situação de oprimido e da necessidade de li-
bertar-nos, nos empoderamos enquanto propagadores dessa emancipação,
mas para isso, precisamos abdicarmos do comodismo, pois a medida que nos
limita, a sociedade capitalista também nos poupa de esforços para buscar
alternativas, uma vez que só é preciso seguir o seu padrão. Admito! É muito
mais fácil ensinar algumas páginas do livro e passar a prova do que pensar
em formas de utilizar este conteúdo para uma práxis transformadora.
Como vimos em seus escritos, você acreditava na educação como
uma forma de promover a transformação social através da práxis, cuja a
teoria é tão importante quanto a prática, mas uma não possui sentido verda-
deiro sem a outra. Dizias que a teoria sozinha não tem poder de transforma-
ção e a prática sem teoria seria apenas militância. Portanto, a Pedagogia do
Oprimido se faz a partir dos conteúdos, conceitos e teorias, mas principal-
mente, através de uma abordagem diferente, crítica, horizontal e pela cons-
trução conjunta do conhecimento, utilizando-o para promover mudanças a
partir da nossa realidade.
Enquanto educadora, tenho a consciência de meu compromisso de
buscar conhecimento tanto conceitual acerca de minha área de formação,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
39
como também o conhecimento de teorias críticas, como a sociologia, filoso-
fia e história, que possuem elementos muito importantes na construção do
pensamento crítico. Para tanto, tornar o aluno consciente de sua situação de
oprimido, antes, é preciso libertar a nós mesmos, pois também estamos inse-
ridos em um sistema que tenta nos mecanizar sob muitas condições desvalo-
rizantes que se destoam dos princípios humanos e democráticos que deveri-
am fundamentar a profissão docente.
É irônico dizer que fiz tudo direitinho na faculdade, como o sistema
manda, para me formar com ótima notas, acreditando que dessa forma,
estaria preparada para “dar aula” - que grande engano! Como se fosse sim-
plesmente chegar em uma sala de aula e despejar conteúdos programados
para aquela série, que todo mundo aprenderia maravilhosamente. Mas o que
não nos foi ensinado, é que um professor estaria diante de várias turmas,
cada uma delas com alunos muito diferentes um dos outros e com suas pró-
prias histórias e formas de ver o mundo. Nem todos eles conseguirão absor-
ver os conteúdos da forma tradicional, e por vezes, sua preocupação nem
será esta. Porém, muitos deles conhecem mais dos aprendizados da vida do
que nós mesmos.
Foi então que a frase de Carl G. Jung passou a ter mais sentido,
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma
humana seja apenas outra alma humana”. Não será o suficiente um plane-
jamento impecável se não considerarmos a humanidade da educação, vol-
tando nossa preocupação sobre como e para quem esses conteúdos serão
trabalhados, tendo a clareza de que junto com conceitos e teorias, convive-
remos com sentimentos, histórias, personalidades e necessidades distintas.
O diálogo nos faz perceber quão pequeno nosso mundo é quando
isolado, e o quão grande ele pode ser se permitir-nos aprender com o outro.
Consciência esta, que me fez buscar outros conhecimentos que pertencem a
formação humana, aqueles ligados a consciência crítica, a experiência de
vida e aos aspectos das relações humanas e sociedade. Nessa busca, você me
acolheu com suas palavras ternas de sabedoria de quem é comprometido
com seus ensinamentos e dessa forma, nos inspira a ser assim.
Planejar foi se tornando cada vez mais complexo, assim como as di-
nâmicas que aconteciam em aula. A preocupação agora é a de como fazer
um determinado conhecimento se construir conceitualmente e subjetivamen-
te diante de um diálogo reflexivo entre educador e educandos para se tornar
aprendizagem mútua. Com certeza, ainda longe da perfeição, se é que isso é
possível, mas busco um olhar mais aprofundado sobre os sentidos da peda-
gogia.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
40
Por isso, a Pedagogia do Oprimido não é só pedagogia, também é
uma educação para os valores ao envolvê-los como chave na superação de
desigualdades. Primeiro, é preciso humildade para compreendermos que a
relação de construção de aprendizagem é uma relação de igual para igual,
sem uma hierarquia ou soberania. Para isso, o respeito é fundamental para
manter o fortalecimento destas relações, uma vez que agora, não há mais
imposições. A responsabilidade e a honestidade são os outros alicerces que
mantêm o ambiente de aprendizagem, quando utiliza-se dos conteúdos para
o despertar do pensamento crítico. Por isso, a Pedagogia do Oprimido é
também política, pois envolve sujeitos que tem o poder da escolha e da ação,
que através da problematiz(ação) se tornam ativos do meio de que fazem
parte, exercendo e exigindo seus direitos para uma convivência digna e har-
moniosa.
Por fim, percebemos que não somos apenas transmissores de conhe-
cimento, temos muito potencial para nos reduzirmos a isto. Assim como, o
educando tem muito potencial para ser apenas um receptáculo de conheci-
mento, juntos temos o poder de construir, reconstruir e transformar. Ao
recriar suas pedagogias, nos tornamos educadores conscientizantes ao ter-
mos a humildade de atentarmos para a nossa constante reflexão e cultivar-
mos nossa reconstrução diante das situações e demandas diárias. Este é um
processo que não se finda, mas renova-se na relação de educando e educa-
dor. É justamente nessa renovação, que nossa capacidade de recriar suas
pedagogias às eternizam e rompem com as barreiras da finitude do tempo e
espaço, tornando-a popular, pois cabe a quem mais precisa dela.
Como uma educadora sonhadora e apaixonada, posso dizer que o
amor é a principal qualidade de um educador. Pois, acima das imposições da
hierarquia, das condições de salário, materiais, físicas e psicológicas, conti-
nuamos a buscar o melhor de nós mesmos para tentar promover o melhor
para a educação. Muito acima da recompensa financeira, nossa maior grati-
dão é poder fazer algo para a vida de outro ser humano. Não temos um em-
prego assalariado, muito menos um trabalho. Ao sermos educadores, temos
uma vocação e uma missão constante com gratificações que dinheiro algum
pode pagar. Encontramos sentido ao levantarmos todos os dias e temos pro-
pósitos ao pisar na Escola. Como você nos ensina, a arte de aprender a ensi-
nar não é ideologia, é esperança no ser humano e determinação ao lutar por
eles. Reconhecemos nosso próprio valor e temos orgulho de sermos assim.
Com amor,
Obrigado meu querido amigo Paulo Freire!
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
41
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 34
ed., 2002, 184 p.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 7. ed. Pe-
trópolis: Vozes, 2005.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 3 volumes, 1987.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
42
Carta pedagógica: uma reflexão
sobre a prática docente
nas aulas de Matemática
Greicy Gadler Lang
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
43
Chapecó, 06 de março de 2020.
Amigo professor,
Estou há dias pensando, preparando-me para escrever essa carta e,
portanto refletindo muito. Mas afinal, o que é refletir? Segundo os professo-
res Ivo Dickmann e Ivanio Dickmann (2018), “refletir é pensar de forma
crítica sobre alguma realidade ou algum objeto. É um ato de autonomia
intelectual, exige do sujeito a responsabilidade epistemológica para captar da
melhor forma possível a totalidade de aspectos que se manifestam no real”.
E ainda, acrescentam que “refletir é um ato de intencionalidade da consciên-
cia que quer conhecer o mundo, fazendo do mundo seu objeto cognoscível e
é a antecipação da ação transformadora, ato coletivo e emancipador, que
projeta a possibilidade da concretude da mudança das pessoas e do mundo.”
A partir disso, comecei minha reflexão primeiramente pela minha escolha
profissional: professora de matemática, e depois pela prática como professo-
ra de matemática no ensino fundamental e médio vivenciada durante anos.
Acho que sempre soube que seria professora, pois desde criança
admirava, brincava que era e sonhava ser. Sempre fui estudante dedicada,
esforçada e com boas notas. Gostava de ajudar os professores e colegas em
sala de aula. Sempre estava envolvida em atividades na escola. Desenvolvia
as tarefas com autonomia e sem precisar da ajuda dos meus pais, até porque
eles nem conseguiam ajudar, pois tinham pouco estudo e, além disso, con-
tam que tinham muitas dificuldades de aprendizagem, principalmente em
matemática. Como não tive essa “dificuldade” de aprendizagem e nem con-
siderava a matemática “chata” como muitos, penso que meus pais ficavam
orgulhosos em eu aprender “bem” matemática e acabaram me influenciando
pela escolha do curso Licenciatura em Matemática.
Entrei no curso de Licenciatura Plena em Matemática e logo nos
primeiros períodos já pude ter o privilégio de entrar em contato com o coti-
diano das escolas e salas de aula, pois era chamada com frequência para
substituir professores. Não demorou muito, pude assumir as primeiras tur-
mas como professora contratada.
Mesmo antes de me formar estava diante do meu primeiro desafio
profissional. Diante de turmas com mais de 35 alunos, que na minha con-
cepção da época eu deveria comandar, passando o maior número de infor-
mações, deduzindo fórmulas, demostrando teoremas, resolvendo longas
listas de exercícios no quadro. Ou seja, precisava mostrar que detinha o co-
nhecimento científico verdadeiro e que este deveria ser transmitido. Eles ali,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
44
eram fiéis depositários do conteúdo, e deveriam apenas estudá-lo e praticá-lo
com enormes listas de exercícios. E essa infelizmente era nossa rotina...
Acredito que essa rotina tenha se repetido com muitos professores
de matemática, ou tenham histórias pelo menos semelhantes de início de
carreira, até porque fomos educados e preparados para isso. Fomos levados a
crer, que por termos um suposto conhecimento, temos o poder. Tornando
nossa práxis vazia. Consideramos os estudantes simples “bancos” que depo-
sitamos um grande volume de informações. Seguimos um currículo fechado.
“A maior parte dos programas consiste de coisas acabadas, mortas e absolu-
tamente fora do contexto moderno. Torna-se cada vez mais difícil motivar os
alunos para uma ciência cristalizada.” (D‟Ambrosio, 1996, p. 29). “Em toda
a história a espécie vem acumulando conhecimentos, naturalmente adquiri-
dos, em diferentes direções, com objetos distintos e com estilos diferen-
tes.”(D‟Ambrosio, 1996, p. 33). No entanto, desconsideramos as experiên-
cias de vida e os conhecimentos dos educandos. Padronizamos a memoriza-
ção mecânica sem nos dar conta que não significa aprendizagem verdadeira.
Usamos ferramentas de avaliação para selecionar e excluir. Nos deparamos
com situações que desestimulam os professores, como desrespeito e indisci-
plina, mas são inúmeras situações que desestimulam os estudantes também.
Conforme D‟Ambrosio, (1996, p. 31) “é muito difícil motivar com fatos e
situações do mundo atual com uma ciência que foi criada e desenvolvida em
outros tempos em virtude dos problemas de então, de uma realidade, de
percepções, necessidades e urgências que nos são estranhas. Do ponto de
vista de motivação contextualizada, a matemática que se ensina hoje nas
escolas é morta.”
Com tantas inquietações, comecei a procurar respostas e tentar en-
contrar soluções. É possível desenvolver estratégias para recuperar a impor-
tância e o interesse na educação matemática? Como desenvolver um pro-
grama dinâmico, apresentando a ciência relacionada a problemas de hoje e
interesse dos alunos? Como levar isso a prática? Será que existe um manual
de instruções? Acredito que não. Portanto, é assim que começo meu cami-
nho de pesquisadora e leituras. Entre meu curto caminho, digamos assim,
porque ainda tenho muito que trilhar, leituras como: Pedagogia do Oprimido
e Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, e autores como Ubitatan
D‟Ambrosio me marcaram significativamente. A partir dessas leituras, muita
coisa começa fazer sentido.
Tanto D‟Ambrosio como Freire, destacam a pesquisa como primor-
dial para fazer educação. Etimologicamente, pesquisa está ligada a investi-
gação, a busca (quest), a research (search = procura). Ou seja, a ideia é pro-
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
45
curar explicações, dos porquês e dos como com um foco para por em prática.
Por isso, “pesquisa é o elo entre teoria e prática” (D‟Ambrosio, 1997, p.92) e
conforme Freire, ensinar exige pesquisa. Então, fica claro que nós educado-
res precisamos nos dedicar às pesquisas se estamos interessados em respostas
ou ao menos refletir criticamente sobre os fatos.
Concordo com D‟Ambrosio (1997, p.88) ao afirmar que o currículo
que ainda seguimos, cartesiano, tradicional, baseado nos componentes obje-
tivos, conteúdos e métodos, obedece a definições obsoletas de uma sociedade
conservadora em que os objetivos da educação matemática que hoje ainda
são citados, refletem as mesmas relações coloniais de outrora. Obviamente
uma ciência que está respondendo de forma mistificada e mistificadora aos
interesses dominantes de uma sociedade, onde muitas vezes não percebemos
por não nos ser permitido pelo nosso adestramento ou falta de olhar crítico.
Com Freire, pude realmente perceber que enquanto educo, me edu-
co. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Meu compromisso não é apenas ensinar os conteúdos, mas preciso assumir o
papel de educador democrático, de forma que na minha/nossa prática pos-
samos reforçar a capacidade crítica, a curiosidade e a insubmissão do edu-
cando. Meu dever além de tudo é ensinar a pensar certo e ser desafiador.
Com trabalho centrado na ética, na estética e rejeição a qualquer forma de
discriminação.
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, os saberes que fo-
ram socialmente construídos na prática comunitária. Exigir a rigorosidade
científica desprezando esses conhecimentos faz a educação perder todo o
sentido, pois ensinar, segundo Freire, não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção. O professor
tem a função de não apenas ensinar os conteúdos, mas também de pensar
certo. O professor deve ser desafiador, democrático e crítico de modo que na
sua prática reforce a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão.
A prática de tempos me levou a reflexão. E concordo com Feire que
ensinar exige a reflexão crítica sobre a prática e é preciso que ela provoque a
promoção do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemo-
lógica. “A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o trei-
namento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos
da verdade e do saber articulado”. (Freire, 1996, p.49)
Ao ensinar o certo conteúdo o professor deve desafiar o educando a
que se vá percebendo na e pela própria prática, sujeito capaz de saber. “É
ensinando matemática que ensino também como aprender e como ensinar,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
46
como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do
conhecimento.” (Freire, 1996, p.141). Nossa prática pedagógica não pode
estar baseada em ciência e técnica. Temos um compromisso muito maior,
que Freire chama Pedagogia da Autonomia, a qual deve estar centrada em
experiências estimuladoras de decisão e responsabilidade.
Hoje consigo me ver mais, e procuro estar mais ainda, na posição de
uma professora crítica, predisposta à mudança, à aceitação do novo, do dife-
rente. Me reconhecendo na inconclusão do ser, que se como tal se funda a
educação como processo permanente. Como um ser social que sempre se
constrói e se (re)constrói pela sua própria história. E quando olho o meu
percurso e minha presença no mundo, com o mundo e com os outros, me
questiono: que marca quero deixar em meus educandos? Pois afinal o pro-
fessor sempre deixa sua marca no educando. Logo penso, realmente só faz
sentido insistirmos em educação se for possível conseguir por meio dela um
desenvolvimento pleno, atingir melhor qualidade de vida e maior dignidade
da humanidade como um todo. “A ciência moderna, que repousa em grande
parte na matemática, nos dá instrumentos notáveis para um bom relaciona-
mento com natureza, mas também poderosos instrumentos de destruição...”
(D‟Ambrosio, 1996, p.11). Portanto, é impossível fazer uma educação neu-
tra, preocupada apenas em “repassar conteúdos”. É preciso minimizar o
tratamento disciplinar da educação matemática e adotar um enfoque holísti-
co, de forma que nossa prática possa ajudar a construir uma humanidade
ancorada no respeito, solidariedade e cooperação. Para Freire, não é possível
separar o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. Como a
educação é uma forma de intervenção no mundo e a cidadania se constrói
com luta política, a educação deve ser acima de tudo um ato político de for-
ma a transformar as pessoas e o mundo. E para tal, é necessário romper com
a prática educativa conteudísta, bancária e vivenciar uma educação que
emancipa, liberta e empodera sujeitos.
Encerro aqui, de forma que se refletir é a antecipação da ação trans-
formadora, ato que projeta a possibilidade da concretude da mudança das
pessoas e do mundo, firmada na pesquisa baseada na ideia de procurar ex-
plicações, dos porquês e dos como com um foco para por em prática, penso
que estou no caminho ou em busca dele. Além disso, sigo com muita alegria
e esperança numa educação que pode transformar e libertar. Com o coração
cheio de gratidão, amorosidade, respeito, tolerância e disponibilidade à mu-
dança. Ciente que minha prática exige definição, posição, decisão, ruptura,
coerência e que a prática pedagógica não se faz apenas com ciência e técnica.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
47
Com sincero respeito e gratidão ao professor que tem uma longa
caminhada e muito a contribuir,
Greicy Gadler Lang
Referências
D‟AMBROSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prática. 6 ed.
São Paulo: Papirus, 1996.
DICKMANN, Ivo; DICKMANN, Ivanio. Didática Freiriana: reinventando
Paulo Freire. Revista Educere Et Educare, v. 13, n. 28, maio/ago. 2018.
DOI: 10.17648/educare.v13i28.18076
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 29 ed. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
48
“Se Paulo Freire estivesse vivo,
ele seria um Educador Ambiental”:
uma carta pedagógica a Paulo Freire
Larissa Henrique
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
49
REMETENTE
Larissa Henrique
Endereço: Rua Marrecos, 399 E
Bairro Efapi
Chapecó – SC
Brasil.
DESTINATÁRIO
Prof. Paulo Freire
Endereço: Rua Cerro Corá,
Nº 550, 1º andar, Sala 10
São Paulo – SP
Brasil.
Chapecó, 05 de março de 2020.
Caro Paulo Freire, devo lhe dizer que escrever uma carta pedagógica
é um ato que exige ao remetente se entregar do início ao fim, afinal, quando
elucidamos nossas ideias e sentimentos em meio a tantas palavras costura-
das, estamos compartilhando parte de nosso universo e do que nos constitui
enquanto seres humanos e educadores. Assim, estar dissertando esta carta
para você, enquanto bebo minha xícara de café em uma manhã de segunda-
feira, é indicativo de que meu encontro com seu pensamento nestes últimos
anos, se constituiu em um dos grandes marcos de minha trajetória. Mas veja
bem, antes de me prolongar nessas linhas, onde lhe falarei sobre tudo que
aprendi com suas ideias e sobre minha profunda admiração por seu legado,
devo lhe apresentar quem é essa que vos fala.
Meu nome é Larissa Henrique, sou graduada em Pedagogia e atu-
almente mestranda em educação. Há 23 anos vivo num processo intenso de
aprendizados e de luta, acreditando que o contato com o Outro é sempre
uma nova oportunidade de nos refazermos. Sou encantada pela ideia de
deixar uma parte de nós nos outros e levar parte deles conosco, num sentido
de aprendizagens e de troca de saberes que ficam pelo caminho, pois isso me
traz a percepção de um processo formativo que está em constante movimen-
to. Durante esse tempo, os ventos sopraram e me levaram a lugares distantes
da sala de aula, embora nesse período tenha tido experiências incríveis desde
a educação formal a não formal, mas sei que um dia esses mesmos ventos
me levarão de volta até o lugar a qual me sinto privilegiada de estar. E nessa
espera, vou me desafiando todos os dias a produzir pesquisas que possam
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
50
corroborar com o avanço da qualidade na educação, principalmente a ambi-
ental.
Após essa breve apresentação sobre quem eu sou, confesso a você
que não sei ao certo se deveria lhe chamar de amigo, já que só nos encon-
tramos nas páginas dos livros, enquanto crio diálogos através de seus escritos
e de tudo que produzi, tendo o seu pensamento como base. No entanto,
mesmo sem ter a certeza de uma reciproca amizade estabelecida entre nós,
posso estar segura de que ao recordar sua forma de ser e estar no mundo,
com sabedoria, simplicidade, generosidade e afeto, não creio que lhe chamar
de amigo seria uma “loucura” de minha parte.
A verdade é que preciso lhe falar sobre todos esses anos que sinto
como se você fosse um amigo próximo, que em nossos diálogos não verbais,
vive a me dar conselhos sobre me tornar cada vez mais uma educadora que
preza pelo amor no ato de educar e pelo despertar das ideias e de tudo que
ocorre em nosso entorno. Por falar nisso, antes de apresentar os aprendiza-
dos construídos a partir de seus ensinamentos, preciso lhe falar sobre quando
nos encontramos pela primeira vez. Bom, nosso primeiro encontro aconte-
ceu durante minha graduação em Pedagogia. Entrei na universidade cheia
de expectativas, tendo como objetivo utilizar a educação como instrumento
para mudanças em nossa sociedade, diante de todos os problemas que eu
observava no meu dia a dia e que, desde o início, a educação se apresentou
como mecanismo essencial para realizar transformações sociais e individu-
ais, através do estímulo a uma nova leitura de mundo, uma leitura crítica e
criativa.
Então foi no ano de 2015 que iniciei como bolsista de pesquisa no
projeto “Educação Ambiental e Formação de Educadores” sob a orientação do
Prof. Dr. Ivo Dickmann e após dois anos iniciei no projeto “Sementes na Ter-
ra: Educação Ambiental e Juventude da Agricultura Familiar”, sob a mesma ori-
entação. Esses projetos (principalmente o primeiro) foram determinantes
para me aproximar de você. Quando iniciei a leitura de seus livros e me
identifiquei com suas ideias, já que tinha ao meu lado um orientador com-
pletamente freiriano, apaixonado por seus métodos e sua forma de desnudar
o mundo, senti na pele aquela expressão que dizem por aí “Amor à primeira
vista”. Em meio a tantas incertezas e questionamentos, pude encontrar am-
paro para minhas ideias e formas de olhar o mundo, pois nossas lentes eram
parecidas.
Meu orientador, Prof. Dr. Ivo Dickmann, pessoa que sinto uma
gratidão imensa por ter conhecido, pois tornou-se um aliado nessa caminha-
da da pesquisa em Educação Ambiental e cordialmente me apresentou você,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
51
sempre faz questão de expor que: “Se Freire estivesse vivo, ele seria um educador
ambiental”, e eu não tenho dúvidas acerca dessa afirmação, afinal, um edu-
cador que sempre olhou com amor, sensibilidade, fraternidade, cuidado e
responsabilidade ao que está em nosso entorno, e principalmente, a aqueles
que são esfarrapados em meio a todos fenômenos ocorridos no mundo, não
olharia para as questões ambientais sem se inquietar com a opressão que o
meio ambiente vem sofrendo ao longo de décadas.
E como vem sofrendo, Paulo. Só nos dois últimos anos, presencia-
mos cenas de mãos cobertas por óleo coletado por inúmeros voluntários no
mar do Nordeste. Dias que viraram noites por conta das partículas de polui-
ção vindas das fumaças de queimadas realizadas na Amazônia, comprome-
tendo a qualidade de vida e, até mesmo, a sobrevivência de milhares de es-
pécies que representam a riquíssima biodiversidade presente nela. Cenários
que refletem desastres ambientais de grande escala trazendo à tona a ganân-
cia e uma busca desenfreada pela maximização dos lucros.
Em meio a tudo isso, temos a ausência do governo que deixa as
questões ambientais marginalizadas, sem dar a atenção necessária para que o
impacto ambiental de todos esses desastres não sejam tão extremos. Descui-
dado que na minha opinião não se aplica apenas ao governo, que tem grande
responsabilidade por tomar decisões em defesa do meio ambiente, mas que
está presente em nossa sociedade de modo geral e que é de responsabilidade
de todos cidadãos. Tiriba (2010, p. 2), uma grande pesquisadora da área da
educação ambiental, considera que o que vivemos hoje é uma “[...] falsa
premissa de separação radical entre seres humanos e natureza e a ilusão
antropocêntrica de que todos os seres e entes não humanos nos pertencem
porque somos uma espécie superior.”
Creio ser importante lhe dizer que durante esses anos que venho tra-
balhando com a educação ambiental, desenvolvendo pesquisas e a aplicando
atrelada a minha práxis pedagógica nas experiências que tive em instituições
de ensino, busquei contribuir para o enfrentamento dessa falsa premissa e
encontrei base na sua teoria de uma educação libertadora, crítica e emanci-
patória. Uma educação que ultrapassa as quatro paredes da sala de aula, pois
está nas relações com as pessoas e com o meio ambiente. Na escola, na rua,
na sociedade. Que é política e nos impulsiona a sermos sensíveis, empáticos,
justiceiros e fortes. Que nos dá subsídios para reconhecermos nossa impor-
tância e papel no mundo.
Freire, talvez tudo que eu disse nas linhas acima pode não parecer
uma descoberta, mas ter propriedade para falar sobre a importância de uma
educação libertadora e crítica, está intimamente ligado ao fato de ter a cons-
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
52
trução de meus conhecimentos e ideais fundidos neste modelo de educação,
com ênfase em minha graduação. Ter liberdade para me expressar e expor
minhas opiniões, dialogar com os outros objetivando a construção de conhe-
cimentos por meio da escuta e da troca de saberes, pois como você mesmo
diz “Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes” (1996) me fez
alçar voos e encontrar razões pelo que lutar. Fez tanta diferença em minha
vida e na minha trajetória profissional, que não encontro justificativas para
não buscar realizar uma práxis pedagógica objetivando uma educação para a
liberdade, consciência e para a emancipação de meus futuros educandos.
E que educadora seria eu se podasse as asas de meus educandos, as-
sim como as minhas foram podadas durante alguns anos? Como poderia
admirar o meu próprio trabalho, se não buscasse todos os dias qualificar
minha prática e ser amorosa no ato de educar? Afinal de contas, como você
já disse “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem.”
(1997, p. 97). Então quero ser corajosa e impregnar de significados meu tra-
balho, assim como você fez ao longo de todos os anos que tivemos o prazer
imenso de tê-lo aqui.
Antes de terminar essa carta, Paulo, sinto-me na necessidade de fa-
lar sobre o governo que assombra nossos dias. Lembro nitidamente do mo-
mento que descobri a vitória dele nas eleições. Não pude conter o choro,
pois tinha consciência que seriam quatro anos difíceis e, assim como eu,
outras pessoas sentiram o baque das consequências que essa decisão teria em
nossas vidas. Conhecendo toda sua trajetória e luta, imagino que ficaria
assustado e inquieto ao ver as atrocidades que vem acontecendo no cenário
político. Nossos direitos são sucateados e, principalmente, as minorias vem
sofrendo os impactos dessas decisões governamentais que oprimem e asso-
lam nossas conquistas realizadas ao longo de duros anos, com muita luta
custando a vida de muitas pessoas. Parece que vivemos em um vai e vem.
Mas mesmo com todos esses acontecimentos, encontro conforto ao
olhar para o lado e ver que não estou sozinha. Acredito que ficaria feliz em
saber que há muitas pessoas que continuam na luta, buscando por um mun-
do mais justo e digno para todos. Assim como diz o cantor Emicida na can-
ção AmarElo “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano
passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” Não vamos morrer, não
vamos nos calar. Assim como as gerações que vieram antes da minha foram
fortes e corajosos, seremos resilientes e encontraremos forças para enfrentar
esse período sombrio.
E quanto a você, meu grande mestre Paulo Freire, espero ter lhe
contado ao menos um pouco sobre o quanto suas contribuições foram e são
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
53
importantes para a educação, sem se limitar a um recorte territorial. Que
possa sentir minha profunda gratidão a tudo que representou em minha vida,
de modo que eu pudesse estar aqui escrevendo essa carta para você. Fico
imensamente feliz por ser alguém que levará seu legado adiante, do modo
que nos orientou, aplicando a didática freiriana a partir da realidade dos
sujeitos.
Não findarei esta carta dizendo adeus, pois ainda nos encontrare-
mos nas páginas dos seus livros, nas pesquisas que ainda realizarei e em
minha prática pedagógica, que sempre terá muito de você.
Um amoroso e fraterno abraço,
Larissa Henrique.
Referências
FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez; 1991.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura).
______. Educação como prática da liberdade. 23 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1999.
TIRIBA, L. Crianças da Natureza. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DO
CURRÍCULO EM MOVIMENTO, Belo Horizonte, 2010. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-%20pdf/7161-2-9-
artigo-mec criancas-natureza-lea-tiriba/file> Acesso em: 04 de junho de
2019.
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
54
Carta Pedagógica: uma reflexão ao
educador Paulo Freire
Luciana Fátima Narcizo
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
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Chapecó, 20 de Janeiro de 2020
Remetente: Luciana Narcizo
Rua Heitor Villa Lobos - 1031 D
CEP: 89812618
Destinatário: Paulo Freire
Recife, Pernambuco
Caro amigo, Paulo Freire.
Escrevo essa carta sob um céu limpo e ensolarado. O calor matinal
de mais de 24 graus nos dá uma vaga ideia de como vai ser o dia por aqui.
Aproveito também para dizer que mesmo adorando escrever, confesso que
essa não é uma tarefa fácil. Pensar em escrever para ti então, é de fato uma
árdua missão. Um comprometimento que perpassa a tinta da caneta e a fo-
lha de papel que, ora está marcada por linhas inteiras de ideias, ora volta ao
seu estado original, devido à complexidade que me é exigida nesse momen-
to. A complexidade a que me refiro não é de algo laborioso ou menos praze-
roso, mas no sentido que sinto estar no dever de me fazer ouvida por ti, meu
amigo Paulo, como os mais íntimos assim o chamam.
De fato, pode ser prepotência minha, mas aqui sentada em frente ao
meu computador, percebo que já somos amigos, eu o conheço em sua subje-
tividade e espero que outras pessoas tenham esse mesmo privilégio e quero
que isso aconteça por meio das minhas ações. Desculpe! Não quero aqui
fazer-me entender mal. Não estou aqui para copiá-lo ou apenas reproduzir
suas ações, mas sinto que minha trajetória enquanto educadora pode ser
uma continuidade da sua. Quanta audácia, não acha? Mas é... sempre fui a
menina de sonhar grande, como costuma dizer minha mãe.
Ainda na infância sentia que o prazer por ensinar era a minha, assim
como alguns costumam chamar, vocação. Reunida com os primos, muitos
de idade mais avançada, fazia questão de ser a professora da turma, de ensi-
nar, de falar e ser ouvida. No entanto, somente anos mais tarde foi que con-
segui ter a devida compreensão do que de fato acontecia naquela época, eu,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
56
ainda menina, morando com os pais em uma cidade pequena, já gozava do
prazer de ensinar, de fazer-me útil ao próximo, de compartilhar.
Com isso, eu, a leitura e a escrita formamos ao longo da vida um
laço familiar, não de sangue, obviamente, mas de coração. Dizem que famí-
lia é a gente quem escolhe para fazer parta da nossa caminhada, pois bem,
eu fiz a minha escolha.
A formação em Letras foi o marco e o início constante da realização
de um sonho. Sim, confesso que pensei em desistir. Ser professor é difícil,
cansativo e, por vezes, a não valorização nos desmotiva. Mas calma!!! Não
precisa se preocupar, procuro me apegar as coisas boas da vida, ao sorriso
dos alunos, a palavra apreendida, as descobertas, as relações, ao ser e sentir-
se humano. Sim, é exatamente assim que me sinto quando percebo que pos-
so contribuir com alguém: humana. Percebo que cumpro com meu papel
nesse mundo ao doar-me a alguém que, não raramente, em nem conheço
direito.
E agora, permita-me contar alguns momentos em que nossas ideias
estiveram entrelaçadas. Lembro perfeitamente de uma aula na universidade,
era uma noite muito fria e a vontade de ficar em casa aconchegada em uma
manta quentinha com um café era tão grande quanto o frio daquela noite.
No entanto, lá por umas tantas (como se diz aqui no Sul), a professora co-
meçou falar sobre um educador chamado Paulo Freire. Mal sabia eu que ali
começaria uma história de amizade e muito comprometimento. Sim, meu
amigo! Ser sua amiga não é algo assim tão simples. Exige comprometimento
e transparência, características raras hoje em dia.
Então, como ia dizendo... após a aula fui para casa e, já aquecida,
percebi que estava inquieta, com o sentimento de que faltava alguma coisa.
Pois bem, fui pesquisar sobre ti. Hoje, em pleno século XXI isso tem um
nome, os jovens chamam de Stalker, sim, precisava saber mais, de onde você
veio, como foi sua vida, qual foi sua trajetória e o que te motivou a ser e
fazer tudo o que a minha professora disse naquela noite. E então me dei
conta de que ela foi muito generosa com as palavras, mas que também as
utilizou de forma reduzida. Você era muito mais do que eu podia imaginar.
Isso está até parecendo uma declaração de amor, não acha Paulo? Não me
importo… talvez até seja.
Após sermos apresentados naquela noite, lembro que comecei a ler
você, seus textos e as entrelinhas. Gostava de ler imaginando que estávamos
conversando, assim como faço agora ao escrever essa carta.
Nosso segundo encontro então, aconteceu em Pedagogia do Opri-
mido (2015). Foi um encontro avassalador e a vontade de seguir seus passos,
Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire
57
de tê-lo como amigo, como norteador da minha caminhada, aflorava cada
vez mais. Logo no prefácio você diz: “Aos esfarrapados do mundo e aos que
neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretu-
do, com eles lutam” (2015, p. 06). Agora me diga meu caro amigo, como
não se identificar com essas palavras? Como não sofrer em um mundo tão
desigual enquanto nossa educação é tratada como algo menos importante? E
mais… Como não lutar para que isso mude? Como não ter a utopia de um
mundo melhor para mim, meus filhos, netos?
Como você disse, (2015, p.11) “nessas sociedades, governadas pelos
interesses de grupos, classes e nações dominantes, a educação como prática
da liberdade postula, necessariamente, uma pedagogia do oprimido”. E dian-
te disso, penso que hoje, nós, professores, pertencemos à classe menos favo-
recida, somos oprimidos diária e constantemente em nossa missão de ensi-
nar. E o que nos move? Certamente a pedagógica da acolhida, em acolher o
próximo em suas diferenças, a pedagogia do amor, de ensinar e ajudar o
próximo e, sobretudo, a pedagogia da gratidão, por ver que ainda podemos
fazer a diferença em meio a tantas indiferenças.
O melhor de mim são os outros, disse certa vez Manoel de Barros e,
usando dessa paráfrase, seu adorado amigo, Carlos Rodrigues Brandão,
acrescenta ainda que é com o outro, mas especificamente no círculo entre-
nós que as palavras, imagens e as ideias devem ser ditas e escritas. Ouvi isso
dele recentemente, quando tive a feliz oportunidade de conhecê-lo. E adivi-
nha sobre o que ele falava, Paulo? Sobre os momentos que vocês, juntos,
vivenciaram e de como tiveram a oportunidade de mudar a vida das pessoas
por meio da palavra, seja ela dita, escrita ou sentida.
Não satisfeita, no fim da noite, fui cumprimentá-lo. Ele pediu meu
nome e nem bem acabei de pronunciar, ele carinhosamente cantou uma
música para mim. Em seguida, disse que cantava essa mesma música para a
filha dormir quando pequena. Deixo aqui um pequeno trecho para você:
...Luciana, Luciana, sorriso de menina, dos olhos de mar… Luciana, Luciana abrace
essa cantiga por onde passar…
Por favor. não me ache tola por isso, mas como você bem sabe, as
pequenas coisas têm sempre as suas grandezas. Pois bem Paulo, perdoe-me
as voltas que estou dando ao escrever, mas como disse, nunca é fácil escrever
para um amigo, especialmente para você. Então, permita-me continuar nos-
so diálogo…
Ainda na graduação, tive conhecimento de um assunto que estava
abalando muito os professores, de modo geral a comunidade escolar. É um
movimento conhecido como Escola Sem Partido (ESP) que visa “amorda-
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Pedagogia da reinvenção

  • 1. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 1
  • 2. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 2 PEDAGOGIA DA REINVENÇÃO: CARTAS PEDAGÓGICAS A PAULO FREIRE Ivo Dickmann (organizador)
  • 3. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 3 NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respeitam as nor- mas e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade pelo conteúdo dos textos desta obra é dos respectivos autores e autoras, não significando a concordância dos orga- nizadores e da editora com as ideias publicadas. © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qual- quer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, repro- gráficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parci- al, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos é punível como crime (art.184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (art. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
  • 4. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 4 Ivo Dickmann (organizador) PEDAGOGIA DA REINVENÇÃO: CARTAS PEDAGÓGICAS A PAULO FREIRE Chapecó-SC Livrologia 2021
  • 5. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 5 CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL E NACIONAL Jorge Alejandro Santos - Argentina Francisco Javier de León Ramírez – México Carelia Hidalgo López – Venezuela Marta Teixeira – Canadá Maria de Nazare Moura Björk – Suécia Macarena Esteban Ibáñez – Espanha Quecoi Sani – Guiné-Bissau Ivo Dickmann - Unochapecó Ivanio Dickmann - UCS Viviane Bagiotto Botton – UERJ Fernanda dos Santos Paulo – UNOESC Cesar Ferreira da Silva – Unicamp Tiago Ingrassia Pereira – UFFS Carmem Regina Giongo – Feevale Sebastião Monteiro Oliveira – UFRR Adan Renê Pereira da Silva – UFAM Inara Cavalcanti – UNIFAP Ionara Cristina Albani - IFRS FICHA CATALOGRÁFICA P371 Pedagogia da reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire / Ivo Dickmann (Organizador). 1. ed. – Chapecó: Livrologia, 2021. (Coleção Paulo Freire; 06). 1. Educação - Filosofia. I. Dickmann, Ivo. ISBN: 9786586218633 DOI: doi.org/10.52139/livrologia9786586218633 2021_0121 CDD 370.1 (Edição 23) Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056 © 2021 Permitida a reprodução deste livro, sem fins comerciais, desde que citada a fonte. Impresso no Brasil. Esse livro passou pelo processo de revisão por pares dentro das regras do Qualis livros da CAPES
  • 6. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 6 .: SUMÁRIO :. CARTA-PREFÁCIO: PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO E A REINVENÇÃO DAS DIFERENTES EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS ........................... 9 Fernanda dos Santos Paulo CARTA DE APRESENTAÇÃO: REINVENTAR A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO ......................................... 11 Ivo Dickmann Parte I - DIDÁTICA FREIRIANA COMO CONTAR MINHA EXPERIÊNCIA, SE NÃO PRATICANDO COM ESTA CARTA! ................................................................ 16 Ana Maria Pereira Puton CARTA AOS EDUCADORES: AOS QUAIS, ASSIM COMO EU, O PERCURSO FORMATIVO TEM INÍCIO E NÃO DEVE TER FIM ... ..................................................... 24 Andréia Stochero Binelo CARTA PEDAGÓGICA AOS MEUS AMIGOS E COLEGAS PROFESSORES .............. 29 Charlene Pereira CARTAS PEDAGÓGICAS: A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO E A TRANSFORMAÇÃO DA PRÁXIS EDUCADORA ..................................................... 34 Daiane Altenhofen CARTA PEDAGÓGICA: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NAS AULAS DE MATEMÁTICA ...................................................................................... 41 Greicy Gadler Lang “SE PAULO FREIRE ESTIVESSE VIVO, SERIA UM EDUCADOR AMBIENTAL”: UMA CARTA PEDAGÓGICA A PAULO FREIRE ........................................................... 47 Larissa Henrique CARTA PEDAGÓGICA: UMA REFLEXÃO AO EDUCADOR PAULO FREIRE .............. 53 Luciana Fátima Narcizo ENTRELINHAS DE UMA VIDA VIVIDA: TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA COM DEFICIÊNCIA VISUAL .......................................................................................... 62 Milene da Silva Oliveira DESABAFO AO GRANDE MESTRE PAULO FREIRE .................................................. 71 Neuzair Cordeiro Peiter
  • 7. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 7 Parte II - CARTAS DA REINVENÇÃO CARTAS PEDAGÓGICAS: HISTÓRIA, LEGADO E REINVENÇÃO .............................. 80 Ivo Dickmann SE ESSA RUA... SE ESSA RUA FOSSE MINHA ........................................................... 86 Adriani Cristiani Stanga (RE)EXISTÊNCIA E LUTA NO COTIDIANO KAINGANG .............................................. 98 Adroaldo Antonio Fidelis CULTURA POPULAR E ENSINO RELIGIOSO EM PAULO FREIRE ........................... 106 Daisa Pompeo Cordazzo PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO ÍNDIGENA KAINGANG NA CONTEMPORANEIDADE ................................................................... 114 Edilvania de Paula dos Santos CARTA A PAULO FREIRE: O SÉCULO XXI E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA EDUCAÇÃO ................................ 121 Edson Cecchetti FREIRE, JORNALISMO, PANDEMIA E ESPERANÇA ................................................. 132 Fabiana Elora do Nascimento REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE VIDA: PESSOAL, PROFISSIONAL E ACADÊMICA. UM OLHAR AMPLIADO A PARTIR DE PAULO FREIRE ...................... 139 Fabiane Schonell Roman “ENTRE FRAGMENTOS E RETALHOS” ...................................................................... 146 Fernanda Carla Dias Vicenzi UMA HISTÓRIA DE DISSERTAÇÃO COM AMOR PARA PAULO FREIRE ................ 156 Julia Eduarda Krauspenhar PELAS TRILHAS DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO CAMPO DA SAÚDE ................................................................................................ 163 Julia Stanga Rech CARTA A PAULO FREIRE: ERA DIGITAL E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO ...................................................... 172 Kariane Batistello
  • 8. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 8 EDUCAÇÃO CRÍTICA: APROXIMAÇÕES ENTRE PAULO FREIRE E O ENSINO NA SAÚDE ................................................................... 181 Karine Pereira Ribeiro EDUCAÇÃO POPULAR NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO .................................................................................. 188 Lariane Fedrigo CAMINHOS POSSÍVEIS: CONSTRUINDO COM FREIRE UMA COMUNICAÇÃO LIBERTADORA ........................................................................ 195 Marina de Oliveira CARTA PARA PAULO FREIRE: INQUIETAÇÕES DE UMA PESQUISADORA EM (RE)CONSTRUÇÃO .................................................. 203 Odila Migliorini Rosa O PROFESSOR EXEMPLAR: PRODIGIOSA BUROCRACIA ...................................... 210 Patrícia Grando COMO ESTOU PENSANDO A REINVENÇÃO DE PAULO FREIRE NA MINHA DISSERTAÇÃO? REFLEXÕES DE UMA ALUNA DE MESTRADO ............................. 218 Renata Scartezini Martins (RE)INVENTAR SUA OBRA É POSSÍVEL? REFLEXÕES SOBRE O SABER E O FAZER EM EDUCAÇÃO ........................................................................................ 228 Renata Signor CONFISSÕES A UM GRANDE EDUCADOR! .............................................................. 235 Solange Kappes Parte III – PARCERIAS DIALÓGICAS TECENDO DIÁLOGOS E ALINHAVANDO ESPERANÇAS: CARTA PARA PAULO FREIRE .....................................................................................248 Bianca Mattia Gollo REINVENTANDO PAULO FREIRE NA FORMAÇAO DE LIDERANÇAS POPULARES ...................................................... 254 Ivanio Dickmann
  • 9. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 9 Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos, “programados, mas, para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos. (Paulo Freire)
  • 10. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 10 CARTA-PREFÁCIO Pós-graduação Stricto Sensu em Educação e a reinvenção das diferentes experiências educacionais Fernanda dos Santos Paulo
  • 11. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 11 A realidade que nos cerca perpassa por diferentes aspectos sociais, econômicos, pedagógicos, políticos e culturais e, nesse cenário de pandemia da COVID-19, Paulo Freire tem sido um educador teórico-prático que vem contribuindo para a análise do atual contexto. No Brasil estamos vivenciando vários movimentos educacionais, no âmbito escolar e não escolar, que vêm produzindo um processo de cons- trução e reinvenção de diferentes experiências educativas. Nesse sentido, na coletânea apresentada, localizamos textos de suma importância para as re- flexões sobre a necessidade de afirmação e constituição de um paradigma pedagógico situado e embasado na Educação Popular freiriana. Paulo Freire é mencionado neste livro quase duzentas vezes, sendo que as obras mais citadas foram Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu- cativa e Pedagogia do Oprimido. A coletânea está organizada da seguinte forma: 1) Carta de apre- sentação; 2) Parte I, intitulada como Didática Freiriana - contendo nove textos; 3) Parte II, com o título Cartas da Reinvenção, com vinte cartas; e, 4) Parte III, Parcerias Dialógicas, com duas cartas. O interessante é que os autores e autoras deste livro são estudantes, pesquisadores e pesquisadoras que participaram do componente curricular do Mestrado em Educação da Unochapecó denominado: Paulo Freire: legado e reinvenção, sob a respon- sabilidade do professor Ivo Dickmann. Reinvenção é um conceito tão importante nas obras de Paulo Freire que consta desde a sua tese intitulada como Educação e atualidade brasilei- ra (1959) até o livro Pedagogia da autonomia (1996) – a obra mais citada nesta coletânea. Diante desta constatação e da leitura que realizei dos textos, convido os leitores e leitoras a lerem a obra que apresenta textos e cartas que retratam a práxis político-pedagógica de educadores e educadoras freirianas. O compromisso e a satisfação de quem faz pesquisas em educação são o de socializar os resultados de suas investigações e socializar suas expe- riências pedagógicas com outras pessoas, cuja função social e política da produção do conhecimento são a de pronunciar o mundo para construir processos educativos transformadores. A reinvenção das diferentes experiên- cias educacionais é um percurso necessário da efetivação da Educação Popu- lar revolucionária, a qual é pautada pela práxis libertadora. A pedagogia da Reinvenção é um desafio e um compromisso ético-político de todos/as nós e as Cartas Pedagógicas são a concretização desta pedagogia. Porto Alegre, 15 de julho de 2021.
  • 12. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 12 CARTA DE APRESENTAÇÃO Reinventar a produção de conhecimento na Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Ivo Dickmann
  • 13. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 13 Esse livro tem uma história bonita de partilha de conhecimento e troca de experiências, além de ser resultado de dois anos de reflexão num componente curricular do Mestrado em Educação da Unochapecó que é compartilhado com quem quiser participar, que se chama Paulo Freire: legado e reinvenção. Esse componente curricular é resultado da Cátedra Paulo Freire que temos aqui na universidade desde 2016 – quando aprovamos em Santiago do Chile junto ao Fórum Internacional Paulo Freire – que existe em todos os continentes, a possibilidade dessa experiência freiriana com maior intensida- de aqui no interior de Santa Catarina. Essa disciplina de modo particular, desde o primeiro ano vem sendo gestada por mim e cada ano tem um enfoque diferente: em 2017 dialogamos sobre a obra Educação como prática da liberdade; em 2018 trabalhamos a Pedagogia do Oprimido; em 2019 falamos sobre a Didática Freiriana e em 2020 nos preparamos para o Centenário de Paulo Freire tratando do proces- so de reinvenção de sua práxis. Assim, em 2019, motivei os mestrandos e mestrandas, a escrever cartas pedagógicas para Paulo Freire, num processo de redimensionar as sínteses ao final do processo, produzindo um diálogo profundo com o legado freiriano a partir da Didática Freiriana, onde por dez encontros olhamos para cada uma das “pedagogias da didática freiriana”, percebendo como elas vão se constituindo como uma reinvenção do Método Paulo Freire. Em 2020, em plena pandemia, as aulas começaram online, tivemos encontros presenciais e depois retornamos para aulas online, mas isso não diminuiu o comprometimento da turma com o estudo da pedagogia freiria- na. Nesse ano tivemos a presença de estudantes do Programa de Pós- graduação em Educação (mestrado) e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (mestrado e doutorado). Ao final, instiguei aos mestran- dos/as e doutorandas a escrever uma carta pedagógica para Paulo Freire a partir da seguinte pergunta: como vou reinventar Paulo Freire na minha disserta- ção/tese? O resultado vocês podem conferir no livro. * * * Esse movimento de escrita de cartas já é em si um processo de rein- venção, visto que na Academia espera-se que se escrevam artigos científicos, papers, resumos expandidos... Mas o rigor científico muitas vezes dá lugar ao cansaço acadêmico de tantos pedidos de artigos ao final das disciplinas. As cartas revigoram o interesse dos estudantes pela produção de outro tipo de
  • 14. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 14 conhecimento, fazem ali o exercício de outras formas de escrita, dialogam com a sua realidade, estabelecem relações dos textos estudados com o tema da dissertação e da tese com o pensamento e a práxis freirianas, se desafiam a dialogar com Freire de forma direta, sem atravessadores, enfim, produzem uma carta pedagógica que ensina-e-aprende no quefazer acadêmico. Acredito que é possível pensar em formas sérias e com rigor científi- co de produzir conhecimento na pós-graduação que não passam pelas for- mas tradicionais, não porque nego o artigo como produto de uma metodolo- gia consolidada historicamente de fazer ciência, mas penso que não é só o artigo que tem em si tudo o que se produz na pós-graduação. Falo da impor- tância de registrar a práxis dos estudantes, seus sentimentos e emoções no processo de tessitura da dissertação e da tese, da relação dialógica e amorosa na orientação, no sofrimento e dor de não ter tempo disponível para a pes- quisa – seja pela falta de liberação da escola ou impossibilidade de largar o trabalho pelo salário para o sustento da família – bem como das alegrias de cumprir a missão, realizar o sonho, deixar um legado. Não são todas as pessoas que se deliciam lendo artigos, tem gente que prefere ler uma carta que – se bem escrita – instiga a responder, a dialo- gar, a compartilhar... E isso, dá mais resultado e transforma mais os lugares de vivência, as escolas, as unidades de saúde, as universidades que os artigos científicos escritos e publicados em inglês. Por mais duro que posso ser, afirmo: o artigo já não está mais sozinho no lugar central da produção do conhecimento na pós-graduação, outras formas de conhecimento aparecem todos os dias com a nova geração de pesquisadores e pesquisadoras que vêm ocupando esse espaço acadêmico. Isso é parte do processo permanente de reinvenção de que trata essa obra coletivamente amorosa, vivemos tempos de reinvenção do legado de Freire, da Academia, de nós mesmos! * * * Último recado para você que lê esse livro: Ele é um livro-educador. Você vai perceber que no final de cada parte do livro há um espaço para preencher que chamamos de síntese do texto. Registre ali numa palavra o resu- mo do que você leu, depois amplie para uma ideia-força com uma frase e, finalize com um parágrafo o que você vai fazer com esses novos conhecimen- tos, que atitudes novas eles mobilizam na tua prática pedagógica. Depois você tem um espaço para uma imagem pedagógica que é para quem quer se expressar para além das palavras. Use a tua criatividade. Boa leitura!
  • 15. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 15 Parte I DIDÁTICA FREIRIANA
  • 16. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 16
  • 17. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 17 Como contar minha experiência, se não praticando com esta carta! Ana Maria Pereira Puton
  • 18. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 18 Remetente: Ana Maria Pereira Puton Destinatário: Paulo Freire Chapecó, 17 de janeiro de 2020. Estimado Professor Paulo Freire, Com satisfação, respeito e entusiasmo escrevo esta carta, que repre- senta um desafio, mas também orgulho de escrever sobre mim e minha rela- ção com a Educação Popular. A Carta Pedagógica era um mecanismo de sistematização e produ- ção que eu até já tinha ouvido falar, mas de fato não conhecia e em minhas práticas nunca havia utilizado. A provocação das aulas da Cátedra Paulo Freire - disciplina optativa, que escolhi e foi fundamental fazer - trouxe essa possibilidade de novo aprendizado. Esse momento de encantamento, medo e desafio no Mestrado em Educação, marca uma nova etapa da minha vida e em meio a trabalhos aca- dêmicos com rigor metodológicos tão fechados, realizar uma atividade com outro método como a carta, é muito agradável. Não que eu não compreenda a necessidade, do rigor metodológico e da importância de escrever, os quais você em sua obra Pedagogia da Autonomia nos escreve tão bem e com tan- tos detalhes. E o Senhor nos escreve que “rigorosidade significa trabalhar para aproximar os educadores dos objetivos cognoscíveis, aprender critica- mente com criação, investigação, pesquisa a partir das experiências” (Freire, 1996.p 26). Essa obra para quem quer ser um educador freiriano é uma bí- blia, em minha humilde opinião. Mas professor Paulo, preciso lhe contar quem sou, de onde vim, afi- nal preciso dizer minha palavra, sobre a minha realidade. Me chamo Ana Maria, sou pedagoga de 16 anos, casada e tenho dois lindos filhos. Trabalho em uma universidade comunitária há 17 anos, e nesta ins- tituição atuei em diversos setores, inicialmente em funções administrativas e a 13 anos em atividades de extensão. Nesta etapa começa meu encontro com a Educação Popular. Em 2006 iniciei atividades na Incubadora Tecnológica de Coopera- tivas Populares da Unochapecó, primeiramente como auxiliar administrativa e mais tarde como Técnica de Extensão, onde direcionei minhas atividades
  • 19. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 19 mais voltadas a equipe de atuação e com os grupos de atuação externa, se- jam empreendimentos e entidades de apoio da Economia Solidária (Ecosol) e ou cursos de capacitação. Uma Incubadora (social ou popular) é um espaço ligado geralmente às Universidades como processo de atuação de extensão acadêmica, com o objetivo de contribuir com os conhecimentos acadêmicos para a comunida- de, na comunidade. Busca contribuir com a capacitação coletiva, formação cidadã e trazer para dentro da universidade às demandas emergentes desta comunidade, para que sejam pensadas com vistas a formular ideias e solu- ções mais adequadas e efetivas. Uma ITCP é uma unidade acadêmica interdisci- plinar de ensino, pesquisa e extensão, cujo o objetivo é fazer interagir o meio universi- tário e os grupos de trabalhadores/as, que tentam empreender economicamente de forma coletiva - solidária e autogestionária - de maneira a apoiar a formação e conso- lidação dos empreendimentos, e ao mesmo tempo, transformar a universidade, apro- ximando-a dos interesses, desejos e necessidades dos setores populares. Isto é feito atra- vés de um processo intenso de trocas de conhecimentos práticos e teóricos e de uma construção compartilhada de novos conhecimentos, entre a incubadora e os grupos de trabalho associados. (CRUZ, NUNES, TILMANN, VECHIA. 2011. p. 116). A Incubadora é um dos entes do processo ou da Rede de Economia Solidária e como tal, pertence e fomenta esse processo da Ecosol que é “outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidarie- dade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redis- tribuição solidária da renda. (Singer, 2002. p. 10) Paul Singer é nosso grande e principal autor dos escritos de Econo- mia Solidária, também um militante e lutador dessa proposta. Você professor Paulo também contribui afirmando em seu texto que “a Economia Solidária como ato pedagógico”, que a Ecosol pode ser considerada um ato pedagógi- co quando e por que se propõe a ser uma pratica social e que por isso, precisa e depende de aprender e viver os valores atribuídos a ela. (Freire, 2005). No Brasil de acordo com Singer (2002), desponta desde a década de 90 as atividades econômicas organizativas de Economia Solidária e estas, puderam ser mais evidentes com os incentivos e projetos de fomento. Foi assim que passou a ser vista e considerada como um novo formato organiza- tivo, de crédito, produção e comercialização. Meio com o qual, a população - excluída ou à margem dos processos capitalista de produção - poderia con- tar para se fortalecer e se desenvolver, de modo cooperativo, associativo,
  • 20. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 20 através de objetivos coletivos e comuns como a solidariedade, o respeito à natureza, aos sujeitos, e com um comércio mais justo. Não é novidade para você professor Paulo que a Ecosol se organi- zou enquanto movimento e construiu uma rede de apoiadores, empreendi- mentos, organizações com objetivos comuns, entidades de apoio que em quase duas décadas desenvolveram diversas ações de fortalecimento do pro- cesso. Dentre as conquistas, a luta por um espaço no governo que resultou em uma Secretária Nacional (SENAES), a qual, teve o papel de organizar programas de apoio e financiamento, além de um espaço de regulação, deli- beração, mas principalmente de apoio. Das ações nasceram os Fóruns em níveis nacional, estadual e regional. Antes disso, já haviam algumas entida- des do terceiro setor, bem como, organizações que desenvolviam ações e que foram fortalecidas nesse processo de plano de governo. Então Professor Paulo, houveram as etapas de mapeamento dos empreendimentos e entidades de apoio no Brasil, as quais resultaram em desfechos importantes para as ações de apoio, como número de empreendi- mentos, tipos de atividades, número de integrantes, quantidades e tipos de entidades de apoio, entre outras informações cruciais. E como é de seu conhecimento a Ecosol é um espaço amplo de or- ganização e de projeto de vida, afinal Professor Paulo, você conhece muito bem a Economia Solidária, foi inclusive convidado a pensar junto com os idealizadores e militantes, como o Professor Paul Singer, Moacir Gadotti, entre outros. O que buscavam era melhores meios de organizar o processo de formação/capacitação. Sua colaboração foi fundamental, já que, desde o início das ações, tal processo formativo para uma nova economia, seguia os princípios e objetivos de uma educação para a formação cidadã, para auto- nomia dos sujeitos e que forma melhor do que fazer isso, senão através da Educação Popular. Nesse ínterim, o professor Moacir Gadotti, (2009.p 36) diz que “as pedagogias clássicas não dão conta da riqueza de uma nova realidade econômico- política[...]O ensino da autogestão é um exemplo prático. Como ensinar autogestão? Só pelo exemplo. Não dá para ensinar autogestão com “lições de autogestão”. Como não dá para ensinar democracia com “lições de democracia”. Parafraseando sua obra, Gadotti afirma que ninguém educa ou forma ninguém e todos apren- dem juntos, “em comunhão”. Mas eu preciso falar mais sobre a minha experiência freireana na Ecosol e como me descobri uma educadora popular. Já que, descrevi breve- mente que a Ecosol se pauta na Educação Popular, é justamente o modo
  • 21. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 21 como a incubadora se organiza metodologicamente para a formação, seja internamente para a capacitação de sua equipe, a qual atua na formação dos empreendimentos, também como essas equipes e seus educadores populares se organizam para construir os momentos de capacitação com os sujeitos dos empreendimentos, e estes por sua vez, ao participarem desse processo, po- dem se desenvolver com, e no, trabalho formativo, se o processo for dialógi- co. Para entender o processo dialógico e outros conceitos, recorri, lógi- co, as obras da Pedagogia do Oprimido e obras de diversos outros autores que descrevem o método. Sendo assim, na incubadora que está dentro do movimento de Eco- nomia Solidária, o processo metodológico é a chave principal para a atua- ção. Essa atuação, como já mencionei, integra as ações do dia a dia da incu- badora, do seu processo de sistematização - que você professor Paulo, tam- bém evoca como etapa chave para memória e construção do saber - que é o modo como a incubadora relata e se utiliza para avaliação, melhoria, plane- jamento de suas ações, também serve como material para as produções. Sabe professor...sistematizar minhas experiências diárias, de ativi- dades e até mesmo como relatórios de avaliação do meu trabalho, era algo tão difícil, pois parecia que eu não tinha capacidade, ou parecia que minha percepção não seria de fato muito importante como o que estava contido em livros e cartilhas, mas fui aprendendo nas rodas de discussão, nos diálogos, tanto com a equipe, quanto com os grupos, o valor do que se escreve e a importância para a linguagem, para o desenvolver da escrita e para o pensar. “Não há docência sem discência” Freire (1996.p. 21) Quanto à formação dos formadores, a minha inserção primeira foi em obras freirianas como Pedagogia do Oprimido, Educação como Pratica de Liberdade, Pedagogia da Autonomia, estas as que li para melhor enten- der, não necessariamente o método, mas naquela etapa da minha vida, en- tender os sujeitos ”oprimidos”, entender como acontecia a situação de estar a margem de tudo, entender a vulnerabilidade, a desumanização, a situação de prostração que muitos sujeitos se colocam, e é claro que eu tive os media- dores nesse processo. Com tudo isso, ou com tão pouco disso tudo que existe para apren- der, pois quanto mais me aprofundava, mas tinha noção que pouco sabia, fui aos poucos me dando conta de meu inacabamento. Mas se perceber inaca- bado (sábia frase tua!), traz medos, traz angústias inicialmente e de repente eu precisava assumir posturas, precisava mudar. Porque “ensinar exige en-
  • 22. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 22 tender que a educação é uma forma de intervir no mundo” (FREIRE, 1996. p. 98). Antes de mais nada, eu precisei me descobrir, me entender (Pedago- gia do Oprimido). Eu sempre me identifiquei com meu trabalho com a popu- lação em situação econômica fragilizada, afinal minha origem é de pobreza, dificuldades diversas no meu entorno, mas especialmente em minha infância a realidade local era de vulnerabilidades. Porém, socialmente comecei a me entender como “povo” da margem, como um ser social que viveu processos semelhantes de exclusão e preconceitos. Apesar de ter uma rebeldia presente em relação à minha origem, e estar em processo de desvelamento da auto- nomia pessoal, por conta da minha formação e trabalho, ainda assim eu não conseguia ter muito noção de minha alienação. Sair do ciclo de alienação sobre mim e minha origem, vivência histórica, foi crítico, foi difícil, mas libertador. Esse foi um dos maiores legados da minha formação e continua sendo, meu auto desvelamento, meu autoconhecimento. É claro que para atuar numa incubadora com formação de formado- res, ou mesmo com capacitação e formação do público, foi preciso ler, escre- ver, entender, pesquisar, conhecer outras teorias, obras, autores de diversas áreas como: economia, política, cooperativismo, administração, desenvol- vimento sustentável, agronomia, nutrição, psicologia, biologia etc...até por- que, uma das vantagens de se estar em uma incubadora é o processo inter- disciplinar, que congrega as diversas áreas do conhecimento para objetivos comuns, que são as demandas sociais. Nesse processo interno de capacitação, tive o privilégio de aprofun- dar saberes, conhecer novas teorias de outras áreas e perceber que os saberes são (ou precisariam ser) interligados, assim como na vida humana, em que o corpo físico e o espírito precisam estar em semiose, em harmonia. E se des- cobrir no processo faz parte da “práxis”, ou seja, da relação constante do fazer, da teoria e pratica avaliada e revista, e testada, e vivida novamente. No caso acima, professor Paulo eu escrevo considerando Kosik (2002) sobre a dimensão da práxis como processo ontocriativo de possibili- dade humana, com a qual nos permitimos um processo de abertura para a realidade em geral. E essa práxis envolve o processo de criação como ativi- dade humana, compreender esse processo laborativo e existencial, que pode revelar nossa essência, o universo e nossa realidade. Considerando também a afirmação na obra de Gadotti (2009. p. 14) que ao fazer da Economia solidária subentende uma práxis educativa porque se pretende socializar aprendizados individuais e coletivos confrontados, criticados e incorporados nas práticas diárias.
  • 23. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 23 Acho que me constitui uma educadora popular na prática, na minha vivência, e demorei para me compreender nesse processo. Considerando minha formação em Pedagogia, uma trajetória de atuação na Economia Solidária, como agente de educação popular e as tan- tas vivências, também minha trajetória de experiência de trabalho na exten- são e agora como estudante de mestrado na área da educação, penso que, assim como o senhor, o fazer, a construção de autonomia, a pratica educati- va exige diversos saberes, e esse é um processo constante. Sou um ser inaca- bado, me sinto assim. Isso traz alento, e ao mesmo tempo sensação de que preciso buscar e aprender mais. Te conto ainda professor Paulo que nas disciplinas da Cátedra, tive acesso aos escritos do professor Ivo Dickmann, sobre a Pedagogia freiriana, ele que é um freiriano, que escreve, ensina e se constrói nesse processo, é um exemplo. Já o conhecia também do movimento da Economia Solidária, ele também um empreendedor e apoiador dos ideais do movimento através do cooperativismo. Mas voltando aos escritos, desse exímio escritor e sistemati- zador de experiências atuais e recentes, pude rever e compartilhar com cole- gas, novas e velhas visões sobre a educação popular e isso é fantástico. Um dos grandes aprendizados com a disciplina da Cátedra, e as obras suas, penso ser essa provocação sobre nosso inacabamento. Mas tam- bém, enquanto educadores, sobre nossa importância como sujeitos, de ser o que somos, nos respeitando e nos conhecendo para sermos e ou continuar- mos sendo os atores de nosso crescimento. Embora, quem lê, estuda e saboreia as teorias e obras dos mais di- versos autores, “conversa” e faz trocas com eles através de suas obras, é sempre valioso poder conhecer “fisicamente” nossos “professores”. Gostaria de ter lhe conhecido pessoalmente, como conheço o professor Ivo nas expe- riências de sala de aula, assim como conheci (mesmo que brevemente em um evento de Economia Solidária) o professor Paul Singer, que em sua velhice serena e vitoriosa, demonstrava antes de qualquer coisa “amorosidade” com tudo e com todos. Há, como não admirar tanto saber, conhecimento, experi- ência de vida envoltos em tanta humildade, como isso é possível? “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).
  • 24. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 24 Referências CRUZ, Antônio; NUNES, Tiago; TILLMANN, Reinaldo; VECHIA, Rena- to Della. A rede de ITCPs - Passado, Presente - E alguns desafios para o futuro. Revista Diálogos: Canoas. 2011. nº 18. p. 115 - 144. GADOTTI, Moacir. Economia Solidária como práxis pedagógica. Livraria e Editora Paulo Freire: São Paulo. 2009 SINGER, Paul. Introdução a Economia Solidária. Editora Fundação Per- seu Abramo: São Paulo. 2002 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção Leitura) _____. Educação como prática de liberdade. Editora Paz e Terra: Rio de Janeiro. 1967. _____. Pedagogia do oprimido. 17a. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. _____. A economia Solidária como ato pedagógico. In: KRUPPA, Sonia Ma. Portella (org.). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Inep/Mec. 2005.p. 13 - 20. KOSIK, Kasel. Dialética do Concreto. 7. ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro. 2002. p. 217 – 227.
  • 25. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 25 Carta aos educadores: aos quais, assim como eu, o percurso formativo tem início e não deve ter fim... Andréia Stochero Binelo
  • 26. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 26 Chapecó, 04 de março de 2020. Eu nasci no interior da cidade de Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul em 1980. Meu percurso formativo teve início no ano de 1986, na 1º série, pois o pré-escolar ainda não havia sido implantado. Assim, com seis anos de idade iniciava a educação básica na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Tamandaré, onde minha mãe atuava como docente e foi minha primeira professora. Em 1995, na cidade de Palmeira das Missões, cursei Ensino Médio em Magistério, com duração de 04 anos e mais seis meses de estágio curricu- lar nos anos iniciais. Obtive diploma de habilitação profissional plena para o Magistério, com o título de professor de ensino de 1° Grau de 1° a 4° série. Trabalhei com educação de Adultos – Mova, ministrando aula na escola onde iniciei meus estudos e depois, devido à necessidade, nas casas dos educandos, onde ficava mais próximo das pessoas que ainda eram anal- fabetas. Tempo de troca de experiência rica com pessoas que não tiveram o mesmo incentivo e condições de estudar, como minha família me proporcio- nou. Foi assim que conheci as obras de Paulo Freire. Após o casamento e a mudança de estado, residindo até hoje em Chapecó, Santa Catarina, por incentivo de meu marido, residimos próximo a Universidade, e exigência de meus pais de não parar de estudar, ingressei no curso de Licenciatura em Pedagogia, habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais. Neste curso de licenciatura, desenvolvemos um projeto de extensão, onde ministramos curso para alunas do magistério na cidade de Xanxerê, Santa Catarina. Teve troca de experiências e aprendizagens, pois na turma tinha cursistas com deficiência e ficamos sabendo quando começamos. Ti- vemos que nos inteirar dos tipos de deficiência, da necessidade de adaptação dos materiais, para atendermos as necessidades especiais delas, pois eram duas cursistas com deficiências distintas. Assumindo assim, o compromisso e a postura de educador, repensando a prática já planejada, para de fato acontecer à inclusão com êxito. Ao iniciar a primeira licenciatura optei por atuar como estagiária em um Centro de Educação Infantil Municipal de Chapecó, pelo período de dois anos. Posteriormente, atuei como Professora da Educação Infantil na rede particular de Ensino de Chapecó e como Professora Estadual dos Anos Iniciais. O que me trouxe experiência concreta.
  • 27. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 27 A experiência prática enriqueceu a teoria, que ficava mais fácil de ser entendida quando aplicada. Nesse tempo, as estagiárias participavam e auxiliavam as professoras, no planejamento dos projetos, na escolha dos temas geradores, através da observação das crianças, na problematização e nas atividades a serem desenvolvidas. Auxiliava no desenvolvimento das atividades, pois sabia o objetivo delas. A Secretaria de Educação Municipal utilizava a teoria de Paulo Freire e fazia formação de professores periodica- mente com a participação da gestão, educadoras e estagiárias. O estágio da graduação ficou muito mais tranquilo, pois conhecia a organização, a rotina e a maneira que eram conduzidas as aulas, o que ser- viu de base para o planejamento das atividades desenvolvidas. Como afirma FREIRE, Paulo, no livro Educação e mudança. Tradução Lilian Lopes Mar- tin. 2º ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 34, “A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto o leva à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.” Foi um tempo rico em construção do conhecimento, no coletivo e na prática da sala de aula no planejamento, execução e avaliação de cada atividade e de cada dia. Em 2008, sentindo a necessidade de agregar mais conhecimento, iniciei a Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia na Faculdade Empre- sarial de Chapecó - Celer Faculdades, com carga horária total de 450 horas, dentre elas 90 horas destinadas à elaboração da monografia com o título: “Mediação/intervenção do/a educador/a no momento das brincadeiras de faz-de-conta.”. No ano de 2009, trabalhei como segunda professora de turma nos anos iniciais, do Ensino Fundamental na Rede Estadual, experiência valiosa e instigante, a qual fez com que eu pensasse minha prática como educadora, percebendo a necessidade de formação específica para trabalhar com a inclu- são. Iniciei, assim, a segunda licenciatura, em Educação Especial em 2010. Um marco em minha vida profissional foi ser orientadora de estudos do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio - PNEM, na escola estadual onde atuo. Com carga horária de 200 horas, divididas em dois anos. Nossa formação era oriunda de um orientador regional da Gerência de Edu- cação e, também, de formadores regionais da Universidade Federal da Fron- teira Sul – UFFS.
  • 28. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 28 O Curso aconteceu de 2014 a 2015. Nesse período de estudo, com- partilhamento de saberes e trocas de experiências entre as áreas, realizamos várias análises e questionamentos em relação à formação de professores. Tendo em vista as mudanças que ocorrem constantemente, com jovens e adolescentes no Ensino Médio e, especificamente, no turno noturno, que foi alvo de nossa análise, investigação e diagnóstico. O registro foi feito com a produção de artigo, pelo grupo, com as análises e dados levantados. Essa formação aconteceu no espaço da escola, tendo como priorida- de o diálogo e a reflexão, sempre aliando a teoria à prática, focando no que propõe o Projeto Político Pedagógico da escola, rediscutindo-o e promoven- do ações para sua reformulação, tendo em vista o redesenho curricular a Unidade Escolar e suas práticas pedagógicas. A formação teve como metas a promoção da qualidade do Ensino Médio, ampliação de espaços de forma- ção, reflexões e o incentivo do desenvolvimento de um currículo com foco na formação humana integral. Desta experiência de formação como orientadora de estudos do Pac- to Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio - PNEM foi publicado um livro, por regional do estado de Santa Catarina, com o título “Professores do Ensino Médio em formação: saberes e experiências”. Foram selecionados alguns artigos para serem publicados. Meu grupo de pesquisa foi contempla- do para publicação, com o título “O contexto do Ensino Médio noturno na Escola de Educação Básica Tancredo de Almeida Neves: juventudes, traba- lho e escola”. Para elaborar esse artigo, além do contexto histórico, das legis- lações vigentes, também realizamos uma pesquisa de amostragem, com to- das as turmas do Ensino Médio noturno, analisando e teorizando. Após a conclusão da segunda licenciatura dei sequência à contínua capacitação profissional, fazendo cursos de formação continuada. Em 2018, devido às grandes mudanças previstas na educação, decidi cursar a segunda Pós-graduação Lato Sensu, em Fundamentos e Organização Curricular, ten- do como base o estudo da Base Nacional Curricular e das legislações educa- cionais vigentes. O percurso formativo, o qual perpassei, foi base para observações, análises críticas e questionamentos de fatos que ocorrem nas Unidades de Educação. O que proporciona inquietações, provocações e busca de respos- tas sobre a formação do educador, e da necessidade de conhecermos, de estudá-la. A partir da base foi reelaborados os currículos estaduais e munici- pais, provocando a mudança das metodologias e das práticas educativas para a formação de habilidades e competências.
  • 29. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 29 Essa foi a inquietude que me levou a cursar mestrado em educação, em pensar em como será a ressignificação das práticas pedagógicas e da produção do conhecimento, a partir da Base Nacional Comum Curricular. Percebendo ainda mais a necessidade de um aprimoramento no conhecimen- to, de pesquisar sobre o contexto apresentado, a fim de responder a essas inquietações, neste novo cenário que está se desenhando. Enfim, temos que sempre estar em busca pelo conhecimento, nas trocas de experiências com os colegas, nos estudos das teorias, nas análises da realidade em que vivenciamos e na busca pelo conhecimento também nas universidades. Como Freire diz que temos, enquanto educadores, de estar à altura da nossa tarefa, e não importa a idade de nossos educandos e o tipo de defi- ciência, todos merecem ter o melhor profissional e as melhores aulas: “Pro- fessor que não leva a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as ativi- dades de sua classe.” Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, 1996, p. 103. Espero que minha experiência sirva de incentivo a quem está inici- ando seu percurso formativo e também a quem está acomodado. Seguimos na luta, por sermos melhores a cada dia. Atenciosamente. Andréia Stochero Binelo Mestranda em Educação Assistente de Educação Estadual Professora da rede municipal de ensino de Chapecó
  • 30. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 30 Carta pedagógica aos meus amigos e colegas professores Charlene Pereira
  • 31. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 31 Abelardo Luz, 20 de janeiro de 2020 Olá meu amigo professor, é com grande alegria e satisfação que es- tou lhe escrevendo para contar-lhe sobre as minhas descobertas. Estou sumi- da nos últimos meses e possivelmente ficarei sumida mais algum tempo, mas quero te contar pelos caminhos que estou andando e compartilhar contigo tudo o que tem me feito crescer. Sabe, ano passado recebi uma ligação que me trouxe até o lugar on- de me encontro hoje, que me mostrou essa direção e realmente esse é um caminho tão lindo e apaixonante que não tem mais volta, com muita alegria lhes informo que não serei a mesma pessoa após essa caminhada. Nunca achei que poderia estar aqui, apesar de muito querer o Mes- trado sempre parecia distante tanto pela questão financeira quanto pelo tem- po que teria que disponibilizar para me dedicar aos estudos, mas percebi que quando a gente realmente quer algo e mesmo com muitas dificuldades po- demos sim é só acreditar. Ao chegar aqui percebi o quanto somos pequenos em conhecimento, o quanto a nossa leitura do mundo educacional é reduzida. Posso estar equi- vocada, mas estou tendo acesso a leituras que jamais imaginei e que tem contribuído com o meu crescimento tanto pessoal quanto profissional. Estudei muitos autores como Adorno e Horkheimer que me fez entender que o esclarecimento nem sempre é salvador, que quanto mais esclarecido o ser humano mais atrocidades ele pode cometer e a barbárie acontece não somente contra a humanidade e a natureza, mas em relação a nós mesmo. Aprendi que somos muito mais freirianas do que imaginamos, quando esperamos nossos alunos de braços abertos, quando damos aquele colo necessário, aquele afago ou simplesmente quando ouvimos nossos alu- nos nos seus anseios diários, praticamos a pedagogia da acolhida, pois não somos os protagonistas no processo educacional, somos apenas coadjuvan- tes, necessitamos acolher e dar valor ao conhecimento do outro. Que somos freirianos quando deixamos de dar as respostas prontas e problematizamos as perguntas, quando indagamos ao aluno o que esse con- teúdo pode trazer de beneficio para sua vida, quando deixamos de nos preo- cupar com as respostas técnicas e passamos a dar valor para as indagações que os conteúdos podem causar nos nossos alunos. Que quando passamos a trabalhar em cima da realidade que nossos alunos vivem e partilhar do conhecimento que eles possuem somos freiria- nos.
  • 32. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 32 Aprendi que as pedagogias defendidas por Freire vão além de con- cepções pedagógicas, mas na vida de um grande professor viram sua maneira de respirar. Sabem, as vezes fico me perguntando o quanto tempo perdi longe de tais conhecimentos, quanto tempo demorei para chegar até aqui e hoje vejo o quanto teria sido diferente minha atuação em sala de aula. Hoje consigo ver que aquele aluno quietinho no fundo da sala, tinha muito a contribuir se eu tivesse usado a metodologia correta para atingi-lo. Fico preocupada com os rumos que a nossa educação vem tomando, pois não sabemos o futuro que nos espera e com as mudanças que nossos governantes nos impõem, mal sabem eles da nossa realidade em sala de aula. Fico preocupada com os colegas que muito tem trabalhado e pouco tempo sobra para as formações, e quando estas chegam vem influenciada pelas concepções dos gestores que muitas vezes não vem de encontro com as dos professores. Não podemos nos calar diante de tudo que vem ocorrendo, Freire nos remete que a consciência critica nos emancipa, nos da a representação das coisas e dos fatos como eles são, diferentemente da consciência ingênua que nos domina. Não devemos deixar que o sistema educacional com suas regras nos limite a apenas a repetição. Devemos mostrar nosso papel nessa função soci- al tão bela. Quando decidi ser professora, sabia do quão grande era a minha missão, decidi por que sabia o quanto a Educação das escolas do campo necessitavam de professores críticos e que transformassem a Educação do Campo do nosso município. Pois pensa-se que a educação, dentro de cada necessidade, parte da realidade do aluno e deve ter papel fundamental para ajudar na preservação das raízes culturais de cada sociedade específica. O camponês, em especial o assentado, muitas vezes acaba negando inconscien- temente sua própria condição de homem do campo, vendo-se como inferior, ao invés de diferente do homem urbano, negando assim sua identidade cam- ponesa com todos os valores e particularidades que o identificam, assumindo outra em seu lugar. Acredito que essa crise de identidade provém das suas limitações sociais, econômicas e educacionais que lhe negam o acesso ao padrão de vida que lhe permita usufruir os confortos propostos pela sociedade capita- lista. Principalmente no caso da juventude camponesa, a cidade fascina, apresenta mais alternativas e opções de conforto do que a vida de trabalho duro nas pequenas propriedades de seus familiares.
  • 33. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 33 Vejo que a educação do campo com sua pedagogia diferenciada, busca a implantação de um aprendizado que identifique o camponês como filho da terra e que tenha com ela uma estreita ligação de lutas, conquistas, vida saudável, valores diferenciados e amor. Acredito que dentro dessa educação está o germe para a transformação de toda a sociedade. A educa- ção do campo questiona as estruturas sociais e a cultura que as legitima, interrogando a sociedade. Existe no Brasil uma garantia legal para que áreas indígenas, áreas quilombolas, assentamentos e outros grupos sociais com histórias próprias diferenciadas, tenham suas pedagogias específicas que lhes garantam a pre- servação de seus valores, tradições, línguas, lutas e ideais ligados as suas realidades. Porém, dentro de uma realidade onde prevalece a globalização dos valores capitalistas consumistas e cada um é valorizado somente por sua capacidade de gerar riquezas, torna-se difícil formar valores que comba- tam a soberania do capital. Estamos em tempos de novas sensibilidades em relação à pedagogia e a formação de valores e humanização, por que está em perigo o futuro da humanidade e esse deve ser um dos principais motivos por se estar em busca de uma educação transformadora Mesmo assim vivemos numa sociedade em que os valores são de individualismo, máximo acúmulo de capital, consumismo, livre concorrên- cia, desinteresse com o bem-estar social e com a preservação ambiental por não ser lucrativo, enfim, valoriza-se o ter e não o ser. Por causa desses con- flitos de valores, podem surgir consciências distorcidas, deslocadas da reali- dade de convívio, gerando frustrações por se sonhar com uma coisa e se viver outra. Buscamos uma educação que tenha a realidade como ponto de par- tida para se gerar novos conhecimentos, e como ponto de chegada para ligar as novas teorias a prática vivenciada. Essa realidade pode ser a de um cam- ponês que passa sua vida no campo, como pode ser a de um camponês que no futuro tenha uma vida urbana. Então essa educação deve ser algo abran- gente que auxilie o aluno numa análise profunda das mais diversas realida- des sociais, das contradições e das forças que regem cada meio. Uma educa- ção que não só repasse informações, mas que questione e desenvolva o senso crítico deixando o aluno preparado para compreender sem ingenuidade o que cada projeto diferenciado tem a oferecer e quais as consequências por ele exercidas sobre a sociedade. Se existem contradições práticas e teóricas no campo, que se entenda o porquê delas.
  • 34. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 34 A educação é o processo da formação humana em todas as suas dimensões (social, afetiva, sexual, política, familiar, cultural etc.). Essa for- mação vai muito além da escola. Ela ocorre através de todo processo históri- co de cada indivíduo e de cada sociedade através da vivência e das experiên- cias diárias. Por isso ela está sempre ligada a um determinado projeto políti- co e a uma concepção de mundo. Dentro da educação do campo trabalha-se com o objetivo de cons- trução humana, orientando a vida das pessoas incluindo ferramentas cultu- rais com uma leitura precisa da realidade em que vivem. Primeiramente, para que se construa uma visão de mundo por parte dos camponeses é neces- sário que as pessoas se percebam como parte do processo histórico, se ques- tionando, organizando e revisando ideias e convicções sobre o mundo, sobre a história, sobre a realidade mais próxima, sobre si mesmos. A visão de mundo deve ser crítica aprendendo e ensinando a tomar posição diante das questões do seu tempo, reconstruindo seu modo de vida, seus valores, sua educação e suas utopias sociais. Arroyo (2011, p. 8) relata que o silenciamento sobre pesquisas soci- ais e educacionais do homem do campo é preocupante, aumentando assim o esquecimento sobre esse assunto. O autor relata que as pesquisas sobre edu- cação do campo não chegam a 1% as que se referem a educação escolar no meio rural, neste sentido o movimento Por uma Educação do Campo surgiu denunciar esse esquecimento. Vejo o papel importante que a Educação do campo em nosso muni- cípio tem e que ela pode transformar a vida dos nossos alunos e que está em nossas mãos amigos professores essa mudança. Por esse motivo estou lhes escrevendo, por que necessitamos abrir nossos olhos, necessitamos de mais e mais conhecimento, de muitas leituras não somente o que adquirimos na nossa formação inicial. Precisamos mos- trar o quanto estamos preparados para trabalhar com as diversidades. Espero que possamos nos encontrar logo e que eu possa contribuir com a formação de cada um, por que eu ao retornar dessa caminhada estarei transformada e com uma vontade enorme de estar na sala de aula outra vez. Abraços meus amigos, Professora Charlene Pereira
  • 35. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 35 Cartas pedagógicas: a Pedagogia do Oprimido e a transformação da práxis educadora Daiane Altenhofen
  • 36. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 36 Maravilha - Santa Catarina CEP: 89.874-000 22 de Janeiro de 2020 Querido Paulo Freire, Meu propósito ao escrever carinhosamente cada palavra desta carta é compartilhar contigo como sua obra, Pedagogia do Oprimido (2002), pro- vocou-me a ponto de me transformar enquanto educadora. Essa metamorfo- se que inicialmente é incômoda, pois nos tira os antolhos da cabeça, mas que desta forma, nos permite ver o entorno do que antes era apenas uma peque- na parte do todo e por isso, nos choca com nosso próprio despertar. Esse processo de despertar foi uma oportunidade que veio ao longo de proveitosas aulas da disciplina da Cátedra de Paulo Freire com o profes- sor freiriano Ivo Dickmann, no mestrado em Educação, as quais resultaram em profundas reflexões, mudanças no pensamento crítico e consequente- mente, também em minhas ações. No conhecimento que nos foi comparti- lhado, aprendemos a o admirar, olhando para você como um amigo e não como um ídolo, buscando recriar suas pedagogias e não nos limitando a sermos apenas transmissores de suas ideias como se fossem uma doutrina, pois assim acabaríamos por findá-las na temporalidade da história. No pano de fundo inicial das reflexões que gostaria de compartilhar contigo, me apoio em Gadamer (2005) para explicitar que nosso modo de pensar e agir no mundo são formados de acordo com nossa construção cul- tural de valores, comportamentos e concepções de verdades, fruto da histori- cidade e tradição que nos antecedem e continuam a agir sobre nós. No en- tanto, como diz Thompson (1987), a busca pelo capital acima dos valores têm transformado essa prática tão frequente e intensa que passa a ser “cultu- ral”. Portanto, um fenômeno introjetado em nossa rotina de tal forma que a mudança é um processo difícil, pois antes, necessita de conscientização. Essa cultura passa a refletir em vários espaços da sociedade, inclusi- ve na educação, por isso, perpetua-se com facilidade. Desde criança, em tantas vezes que coloquei a mochila nas costas para ir à escola, estudar e voltar para casa e repetindo isso na faculdade, durante boa parte da vida nunca me questionei se isso poderia ser melhor. Na verdade, deixei de me questionar sobre várias coisas, acreditando que tudo era do jeito que tinha que ser, e ponto! E é essa a educação que vem se repetindo em vários ambi- entes, educacionais ou não, formais ou informais e frequentemente, de ma-
  • 37. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 37 neira inconsciente. Somos educados para escutar e obedecer, questionar não, pois é uma afronta! Isso se repete até que, por algum motivo, ou melhor, por alguma oportunidade, nos tornemos conscientes dessa situação, o que você chama de situação de oprimido. A situação de oprimido é praticada pela sociedade e consequente- mente, reproduzida pela Escola através de uma Educação Bancária, a qual representa uma projeção de nação ao transmitir seus ideais através do ensi- no. A Educação Bancária teve suas origens principalmente na Revolução Industrial, aonde o capitalismo e a objetificação do ser humano foram se introduzindo como parte da cultura e do modo de vida da sociedade (THOMPSON, 1987). Em vista disso, o que vemos repetidamente hoje é um processo diário de alienação, de aborto da autonomia, criatividade e critici- dade do educando através da padronização, mecanização e tecnicismo no ensino de conteúdos sem ligação com a sua importância para o mundo do educando, até que este se encaixe nos moldes da Educação Bancária. Para o processo de despertar, por experiência própria, julgo que a consciência é um passo muito importante para promover as mudanças mais profundas que por conseguinte, se manifestarão externamente por meio de nossas ações. Quando nos levamos para dentro da Pedagogia do Oprimido, enquanto educadores, sofremos por uma desestruturação do que você nome- ou de “absolutização da ignorância”, na qual acreditávamos que detínhamos todo o conhecimento. Mas para uma Educação Libertadora, nossa cami- nhada deve ser junto aos nossos educandos, demonstrando que um ato de amor é permitir a fruição do conhecimento, criando um espaço para o diálo- go. Nisso, como você diz meu amigo, não podemos nos fazer objeto um do outro, nem podemos existir sem o outro, nos fazemos educadores através de nossos educandos e juntos, fazemos a educação. Penso que se desejarmos ser um educador libertador, ou um educa- dor popular, não necessariamente precisamos fazer coisas mirabolantes, mas apenas conduzir a construção do conhecimento como um diálogo aberto com a realidade dos nossos alunos. O material da aula continua a ser os conteúdos de antes, mas agora, problematizado essencialmente por aquilo que vivemos todos os dias, que na rotina, condicionamos a uma “normali- dade”, mas que são uma conjuntura de fenômenos que precisam ser repen- sados. Vejamos isso através de fatos simples que acontecem no cotidiano, como o mendigo pelo qual você passa para ir ao trabalho, os impostos altos que são pagos e que não condizem com a qualidade do serviço público, o desrespeito no trânsito, o enfraquecimento das relações pessoais entre cole- gas de trabalho e familiares, a valorização do consumo e a negligência das
  • 38. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 38 consequências do modo de produção industrial e inúmeras outras questões que acabam sendo aceitas com naturalidade e que no entanto, tem um im- pacto devastador para a dignidade humana e sustentabilidade. Dessa forma, a mentalidade opressora acaba por instalar-se em nós mesmos, consciente ou inconscientemente, seja através da aceitação dessas “normalidades” e por vezes, até mesmo a prática delas. Por exemplo, será que não somos opressores ao ensinar como se fossemos a voz da sabedoria e da razão? Ou talvez, seguindo um planejamento de aula, pretendendo termi- nar de passar os conteúdos para então aplicar a prova e garantir pelo menos 3 notas para a média bimestral e acreditar que uma nota boa na prova vai ser o suficiente para formar integralmente um aluno? Acredito que provavel- mente todos já vivenciamos isso como alunos ou como professores. A partir disso, suas palavras ressoam como uma chance de desacor- rentar-nos das ilusões que nos são impostas como verdades. Assim como no mito da caverna, escrito por Platão, vivemos em determinada realidade que representa apenas a sombra do que realmente acontece no mundo exterior, conhecendo limitadamente o que nos permitem ver, pois a sociedade do capitalismo tem nos ensinado a sermos submissos e dependentes dos siste- mas que a operam. Por isso, a Pedagogia do Oprimido pode despertar-nos para nossa criticidade, e além disso, para nossa capacidade de transformar a partir dela. Tendo consciência da situação de oprimido e da necessidade de li- bertar-nos, nos empoderamos enquanto propagadores dessa emancipação, mas para isso, precisamos abdicarmos do comodismo, pois a medida que nos limita, a sociedade capitalista também nos poupa de esforços para buscar alternativas, uma vez que só é preciso seguir o seu padrão. Admito! É muito mais fácil ensinar algumas páginas do livro e passar a prova do que pensar em formas de utilizar este conteúdo para uma práxis transformadora. Como vimos em seus escritos, você acreditava na educação como uma forma de promover a transformação social através da práxis, cuja a teoria é tão importante quanto a prática, mas uma não possui sentido verda- deiro sem a outra. Dizias que a teoria sozinha não tem poder de transforma- ção e a prática sem teoria seria apenas militância. Portanto, a Pedagogia do Oprimido se faz a partir dos conteúdos, conceitos e teorias, mas principal- mente, através de uma abordagem diferente, crítica, horizontal e pela cons- trução conjunta do conhecimento, utilizando-o para promover mudanças a partir da nossa realidade. Enquanto educadora, tenho a consciência de meu compromisso de buscar conhecimento tanto conceitual acerca de minha área de formação,
  • 39. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 39 como também o conhecimento de teorias críticas, como a sociologia, filoso- fia e história, que possuem elementos muito importantes na construção do pensamento crítico. Para tanto, tornar o aluno consciente de sua situação de oprimido, antes, é preciso libertar a nós mesmos, pois também estamos inse- ridos em um sistema que tenta nos mecanizar sob muitas condições desvalo- rizantes que se destoam dos princípios humanos e democráticos que deveri- am fundamentar a profissão docente. É irônico dizer que fiz tudo direitinho na faculdade, como o sistema manda, para me formar com ótima notas, acreditando que dessa forma, estaria preparada para “dar aula” - que grande engano! Como se fosse sim- plesmente chegar em uma sala de aula e despejar conteúdos programados para aquela série, que todo mundo aprenderia maravilhosamente. Mas o que não nos foi ensinado, é que um professor estaria diante de várias turmas, cada uma delas com alunos muito diferentes um dos outros e com suas pró- prias histórias e formas de ver o mundo. Nem todos eles conseguirão absor- ver os conteúdos da forma tradicional, e por vezes, sua preocupação nem será esta. Porém, muitos deles conhecem mais dos aprendizados da vida do que nós mesmos. Foi então que a frase de Carl G. Jung passou a ter mais sentido, “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”. Não será o suficiente um plane- jamento impecável se não considerarmos a humanidade da educação, vol- tando nossa preocupação sobre como e para quem esses conteúdos serão trabalhados, tendo a clareza de que junto com conceitos e teorias, convive- remos com sentimentos, histórias, personalidades e necessidades distintas. O diálogo nos faz perceber quão pequeno nosso mundo é quando isolado, e o quão grande ele pode ser se permitir-nos aprender com o outro. Consciência esta, que me fez buscar outros conhecimentos que pertencem a formação humana, aqueles ligados a consciência crítica, a experiência de vida e aos aspectos das relações humanas e sociedade. Nessa busca, você me acolheu com suas palavras ternas de sabedoria de quem é comprometido com seus ensinamentos e dessa forma, nos inspira a ser assim. Planejar foi se tornando cada vez mais complexo, assim como as di- nâmicas que aconteciam em aula. A preocupação agora é a de como fazer um determinado conhecimento se construir conceitualmente e subjetivamen- te diante de um diálogo reflexivo entre educador e educandos para se tornar aprendizagem mútua. Com certeza, ainda longe da perfeição, se é que isso é possível, mas busco um olhar mais aprofundado sobre os sentidos da peda- gogia.
  • 40. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 40 Por isso, a Pedagogia do Oprimido não é só pedagogia, também é uma educação para os valores ao envolvê-los como chave na superação de desigualdades. Primeiro, é preciso humildade para compreendermos que a relação de construção de aprendizagem é uma relação de igual para igual, sem uma hierarquia ou soberania. Para isso, o respeito é fundamental para manter o fortalecimento destas relações, uma vez que agora, não há mais imposições. A responsabilidade e a honestidade são os outros alicerces que mantêm o ambiente de aprendizagem, quando utiliza-se dos conteúdos para o despertar do pensamento crítico. Por isso, a Pedagogia do Oprimido é também política, pois envolve sujeitos que tem o poder da escolha e da ação, que através da problematiz(ação) se tornam ativos do meio de que fazem parte, exercendo e exigindo seus direitos para uma convivência digna e har- moniosa. Por fim, percebemos que não somos apenas transmissores de conhe- cimento, temos muito potencial para nos reduzirmos a isto. Assim como, o educando tem muito potencial para ser apenas um receptáculo de conheci- mento, juntos temos o poder de construir, reconstruir e transformar. Ao recriar suas pedagogias, nos tornamos educadores conscientizantes ao ter- mos a humildade de atentarmos para a nossa constante reflexão e cultivar- mos nossa reconstrução diante das situações e demandas diárias. Este é um processo que não se finda, mas renova-se na relação de educando e educa- dor. É justamente nessa renovação, que nossa capacidade de recriar suas pedagogias às eternizam e rompem com as barreiras da finitude do tempo e espaço, tornando-a popular, pois cabe a quem mais precisa dela. Como uma educadora sonhadora e apaixonada, posso dizer que o amor é a principal qualidade de um educador. Pois, acima das imposições da hierarquia, das condições de salário, materiais, físicas e psicológicas, conti- nuamos a buscar o melhor de nós mesmos para tentar promover o melhor para a educação. Muito acima da recompensa financeira, nossa maior grati- dão é poder fazer algo para a vida de outro ser humano. Não temos um em- prego assalariado, muito menos um trabalho. Ao sermos educadores, temos uma vocação e uma missão constante com gratificações que dinheiro algum pode pagar. Encontramos sentido ao levantarmos todos os dias e temos pro- pósitos ao pisar na Escola. Como você nos ensina, a arte de aprender a ensi- nar não é ideologia, é esperança no ser humano e determinação ao lutar por eles. Reconhecemos nosso próprio valor e temos orgulho de sermos assim. Com amor, Obrigado meu querido amigo Paulo Freire!
  • 41. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 41 Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 34 ed., 2002, 184 p. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 7. ed. Pe- trópolis: Vozes, 2005. THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária. Rio de Ja- neiro: Paz e Terra, 3 volumes, 1987.
  • 42. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 42 Carta pedagógica: uma reflexão sobre a prática docente nas aulas de Matemática Greicy Gadler Lang
  • 43. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 43 Chapecó, 06 de março de 2020. Amigo professor, Estou há dias pensando, preparando-me para escrever essa carta e, portanto refletindo muito. Mas afinal, o que é refletir? Segundo os professo- res Ivo Dickmann e Ivanio Dickmann (2018), “refletir é pensar de forma crítica sobre alguma realidade ou algum objeto. É um ato de autonomia intelectual, exige do sujeito a responsabilidade epistemológica para captar da melhor forma possível a totalidade de aspectos que se manifestam no real”. E ainda, acrescentam que “refletir é um ato de intencionalidade da consciên- cia que quer conhecer o mundo, fazendo do mundo seu objeto cognoscível e é a antecipação da ação transformadora, ato coletivo e emancipador, que projeta a possibilidade da concretude da mudança das pessoas e do mundo.” A partir disso, comecei minha reflexão primeiramente pela minha escolha profissional: professora de matemática, e depois pela prática como professo- ra de matemática no ensino fundamental e médio vivenciada durante anos. Acho que sempre soube que seria professora, pois desde criança admirava, brincava que era e sonhava ser. Sempre fui estudante dedicada, esforçada e com boas notas. Gostava de ajudar os professores e colegas em sala de aula. Sempre estava envolvida em atividades na escola. Desenvolvia as tarefas com autonomia e sem precisar da ajuda dos meus pais, até porque eles nem conseguiam ajudar, pois tinham pouco estudo e, além disso, con- tam que tinham muitas dificuldades de aprendizagem, principalmente em matemática. Como não tive essa “dificuldade” de aprendizagem e nem con- siderava a matemática “chata” como muitos, penso que meus pais ficavam orgulhosos em eu aprender “bem” matemática e acabaram me influenciando pela escolha do curso Licenciatura em Matemática. Entrei no curso de Licenciatura Plena em Matemática e logo nos primeiros períodos já pude ter o privilégio de entrar em contato com o coti- diano das escolas e salas de aula, pois era chamada com frequência para substituir professores. Não demorou muito, pude assumir as primeiras tur- mas como professora contratada. Mesmo antes de me formar estava diante do meu primeiro desafio profissional. Diante de turmas com mais de 35 alunos, que na minha con- cepção da época eu deveria comandar, passando o maior número de infor- mações, deduzindo fórmulas, demostrando teoremas, resolvendo longas listas de exercícios no quadro. Ou seja, precisava mostrar que detinha o co- nhecimento científico verdadeiro e que este deveria ser transmitido. Eles ali,
  • 44. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 44 eram fiéis depositários do conteúdo, e deveriam apenas estudá-lo e praticá-lo com enormes listas de exercícios. E essa infelizmente era nossa rotina... Acredito que essa rotina tenha se repetido com muitos professores de matemática, ou tenham histórias pelo menos semelhantes de início de carreira, até porque fomos educados e preparados para isso. Fomos levados a crer, que por termos um suposto conhecimento, temos o poder. Tornando nossa práxis vazia. Consideramos os estudantes simples “bancos” que depo- sitamos um grande volume de informações. Seguimos um currículo fechado. “A maior parte dos programas consiste de coisas acabadas, mortas e absolu- tamente fora do contexto moderno. Torna-se cada vez mais difícil motivar os alunos para uma ciência cristalizada.” (D‟Ambrosio, 1996, p. 29). “Em toda a história a espécie vem acumulando conhecimentos, naturalmente adquiri- dos, em diferentes direções, com objetos distintos e com estilos diferen- tes.”(D‟Ambrosio, 1996, p. 33). No entanto, desconsideramos as experiên- cias de vida e os conhecimentos dos educandos. Padronizamos a memoriza- ção mecânica sem nos dar conta que não significa aprendizagem verdadeira. Usamos ferramentas de avaliação para selecionar e excluir. Nos deparamos com situações que desestimulam os professores, como desrespeito e indisci- plina, mas são inúmeras situações que desestimulam os estudantes também. Conforme D‟Ambrosio, (1996, p. 31) “é muito difícil motivar com fatos e situações do mundo atual com uma ciência que foi criada e desenvolvida em outros tempos em virtude dos problemas de então, de uma realidade, de percepções, necessidades e urgências que nos são estranhas. Do ponto de vista de motivação contextualizada, a matemática que se ensina hoje nas escolas é morta.” Com tantas inquietações, comecei a procurar respostas e tentar en- contrar soluções. É possível desenvolver estratégias para recuperar a impor- tância e o interesse na educação matemática? Como desenvolver um pro- grama dinâmico, apresentando a ciência relacionada a problemas de hoje e interesse dos alunos? Como levar isso a prática? Será que existe um manual de instruções? Acredito que não. Portanto, é assim que começo meu cami- nho de pesquisadora e leituras. Entre meu curto caminho, digamos assim, porque ainda tenho muito que trilhar, leituras como: Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, e autores como Ubitatan D‟Ambrosio me marcaram significativamente. A partir dessas leituras, muita coisa começa fazer sentido. Tanto D‟Ambrosio como Freire, destacam a pesquisa como primor- dial para fazer educação. Etimologicamente, pesquisa está ligada a investi- gação, a busca (quest), a research (search = procura). Ou seja, a ideia é pro-
  • 45. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 45 curar explicações, dos porquês e dos como com um foco para por em prática. Por isso, “pesquisa é o elo entre teoria e prática” (D‟Ambrosio, 1997, p.92) e conforme Freire, ensinar exige pesquisa. Então, fica claro que nós educado- res precisamos nos dedicar às pesquisas se estamos interessados em respostas ou ao menos refletir criticamente sobre os fatos. Concordo com D‟Ambrosio (1997, p.88) ao afirmar que o currículo que ainda seguimos, cartesiano, tradicional, baseado nos componentes obje- tivos, conteúdos e métodos, obedece a definições obsoletas de uma sociedade conservadora em que os objetivos da educação matemática que hoje ainda são citados, refletem as mesmas relações coloniais de outrora. Obviamente uma ciência que está respondendo de forma mistificada e mistificadora aos interesses dominantes de uma sociedade, onde muitas vezes não percebemos por não nos ser permitido pelo nosso adestramento ou falta de olhar crítico. Com Freire, pude realmente perceber que enquanto educo, me edu- co. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Meu compromisso não é apenas ensinar os conteúdos, mas preciso assumir o papel de educador democrático, de forma que na minha/nossa prática pos- samos reforçar a capacidade crítica, a curiosidade e a insubmissão do edu- cando. Meu dever além de tudo é ensinar a pensar certo e ser desafiador. Com trabalho centrado na ética, na estética e rejeição a qualquer forma de discriminação. Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, os saberes que fo- ram socialmente construídos na prática comunitária. Exigir a rigorosidade científica desprezando esses conhecimentos faz a educação perder todo o sentido, pois ensinar, segundo Freire, não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção. O professor tem a função de não apenas ensinar os conteúdos, mas também de pensar certo. O professor deve ser desafiador, democrático e crítico de modo que na sua prática reforce a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. A prática de tempos me levou a reflexão. E concordo com Feire que ensinar exige a reflexão crítica sobre a prática e é preciso que ela provoque a promoção do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemo- lógica. “A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o trei- namento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado”. (Freire, 1996, p.49) Ao ensinar o certo conteúdo o professor deve desafiar o educando a que se vá percebendo na e pela própria prática, sujeito capaz de saber. “É ensinando matemática que ensino também como aprender e como ensinar,
  • 46. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 46 como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do conhecimento.” (Freire, 1996, p.141). Nossa prática pedagógica não pode estar baseada em ciência e técnica. Temos um compromisso muito maior, que Freire chama Pedagogia da Autonomia, a qual deve estar centrada em experiências estimuladoras de decisão e responsabilidade. Hoje consigo me ver mais, e procuro estar mais ainda, na posição de uma professora crítica, predisposta à mudança, à aceitação do novo, do dife- rente. Me reconhecendo na inconclusão do ser, que se como tal se funda a educação como processo permanente. Como um ser social que sempre se constrói e se (re)constrói pela sua própria história. E quando olho o meu percurso e minha presença no mundo, com o mundo e com os outros, me questiono: que marca quero deixar em meus educandos? Pois afinal o pro- fessor sempre deixa sua marca no educando. Logo penso, realmente só faz sentido insistirmos em educação se for possível conseguir por meio dela um desenvolvimento pleno, atingir melhor qualidade de vida e maior dignidade da humanidade como um todo. “A ciência moderna, que repousa em grande parte na matemática, nos dá instrumentos notáveis para um bom relaciona- mento com natureza, mas também poderosos instrumentos de destruição...” (D‟Ambrosio, 1996, p.11). Portanto, é impossível fazer uma educação neu- tra, preocupada apenas em “repassar conteúdos”. É preciso minimizar o tratamento disciplinar da educação matemática e adotar um enfoque holísti- co, de forma que nossa prática possa ajudar a construir uma humanidade ancorada no respeito, solidariedade e cooperação. Para Freire, não é possível separar o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. Como a educação é uma forma de intervenção no mundo e a cidadania se constrói com luta política, a educação deve ser acima de tudo um ato político de for- ma a transformar as pessoas e o mundo. E para tal, é necessário romper com a prática educativa conteudísta, bancária e vivenciar uma educação que emancipa, liberta e empodera sujeitos. Encerro aqui, de forma que se refletir é a antecipação da ação trans- formadora, ato que projeta a possibilidade da concretude da mudança das pessoas e do mundo, firmada na pesquisa baseada na ideia de procurar ex- plicações, dos porquês e dos como com um foco para por em prática, penso que estou no caminho ou em busca dele. Além disso, sigo com muita alegria e esperança numa educação que pode transformar e libertar. Com o coração cheio de gratidão, amorosidade, respeito, tolerância e disponibilidade à mu- dança. Ciente que minha prática exige definição, posição, decisão, ruptura, coerência e que a prática pedagógica não se faz apenas com ciência e técnica.
  • 47. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 47 Com sincero respeito e gratidão ao professor que tem uma longa caminhada e muito a contribuir, Greicy Gadler Lang Referências D‟AMBROSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prática. 6 ed. São Paulo: Papirus, 1996. DICKMANN, Ivo; DICKMANN, Ivanio. Didática Freiriana: reinventando Paulo Freire. Revista Educere Et Educare, v. 13, n. 28, maio/ago. 2018. DOI: 10.17648/educare.v13i28.18076 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 29 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • 48. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 48 “Se Paulo Freire estivesse vivo, ele seria um Educador Ambiental”: uma carta pedagógica a Paulo Freire Larissa Henrique
  • 49. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 49 REMETENTE Larissa Henrique Endereço: Rua Marrecos, 399 E Bairro Efapi Chapecó – SC Brasil. DESTINATÁRIO Prof. Paulo Freire Endereço: Rua Cerro Corá, Nº 550, 1º andar, Sala 10 São Paulo – SP Brasil. Chapecó, 05 de março de 2020. Caro Paulo Freire, devo lhe dizer que escrever uma carta pedagógica é um ato que exige ao remetente se entregar do início ao fim, afinal, quando elucidamos nossas ideias e sentimentos em meio a tantas palavras costura- das, estamos compartilhando parte de nosso universo e do que nos constitui enquanto seres humanos e educadores. Assim, estar dissertando esta carta para você, enquanto bebo minha xícara de café em uma manhã de segunda- feira, é indicativo de que meu encontro com seu pensamento nestes últimos anos, se constituiu em um dos grandes marcos de minha trajetória. Mas veja bem, antes de me prolongar nessas linhas, onde lhe falarei sobre tudo que aprendi com suas ideias e sobre minha profunda admiração por seu legado, devo lhe apresentar quem é essa que vos fala. Meu nome é Larissa Henrique, sou graduada em Pedagogia e atu- almente mestranda em educação. Há 23 anos vivo num processo intenso de aprendizados e de luta, acreditando que o contato com o Outro é sempre uma nova oportunidade de nos refazermos. Sou encantada pela ideia de deixar uma parte de nós nos outros e levar parte deles conosco, num sentido de aprendizagens e de troca de saberes que ficam pelo caminho, pois isso me traz a percepção de um processo formativo que está em constante movimen- to. Durante esse tempo, os ventos sopraram e me levaram a lugares distantes da sala de aula, embora nesse período tenha tido experiências incríveis desde a educação formal a não formal, mas sei que um dia esses mesmos ventos me levarão de volta até o lugar a qual me sinto privilegiada de estar. E nessa espera, vou me desafiando todos os dias a produzir pesquisas que possam
  • 50. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 50 corroborar com o avanço da qualidade na educação, principalmente a ambi- ental. Após essa breve apresentação sobre quem eu sou, confesso a você que não sei ao certo se deveria lhe chamar de amigo, já que só nos encon- tramos nas páginas dos livros, enquanto crio diálogos através de seus escritos e de tudo que produzi, tendo o seu pensamento como base. No entanto, mesmo sem ter a certeza de uma reciproca amizade estabelecida entre nós, posso estar segura de que ao recordar sua forma de ser e estar no mundo, com sabedoria, simplicidade, generosidade e afeto, não creio que lhe chamar de amigo seria uma “loucura” de minha parte. A verdade é que preciso lhe falar sobre todos esses anos que sinto como se você fosse um amigo próximo, que em nossos diálogos não verbais, vive a me dar conselhos sobre me tornar cada vez mais uma educadora que preza pelo amor no ato de educar e pelo despertar das ideias e de tudo que ocorre em nosso entorno. Por falar nisso, antes de apresentar os aprendiza- dos construídos a partir de seus ensinamentos, preciso lhe falar sobre quando nos encontramos pela primeira vez. Bom, nosso primeiro encontro aconte- ceu durante minha graduação em Pedagogia. Entrei na universidade cheia de expectativas, tendo como objetivo utilizar a educação como instrumento para mudanças em nossa sociedade, diante de todos os problemas que eu observava no meu dia a dia e que, desde o início, a educação se apresentou como mecanismo essencial para realizar transformações sociais e individu- ais, através do estímulo a uma nova leitura de mundo, uma leitura crítica e criativa. Então foi no ano de 2015 que iniciei como bolsista de pesquisa no projeto “Educação Ambiental e Formação de Educadores” sob a orientação do Prof. Dr. Ivo Dickmann e após dois anos iniciei no projeto “Sementes na Ter- ra: Educação Ambiental e Juventude da Agricultura Familiar”, sob a mesma ori- entação. Esses projetos (principalmente o primeiro) foram determinantes para me aproximar de você. Quando iniciei a leitura de seus livros e me identifiquei com suas ideias, já que tinha ao meu lado um orientador com- pletamente freiriano, apaixonado por seus métodos e sua forma de desnudar o mundo, senti na pele aquela expressão que dizem por aí “Amor à primeira vista”. Em meio a tantas incertezas e questionamentos, pude encontrar am- paro para minhas ideias e formas de olhar o mundo, pois nossas lentes eram parecidas. Meu orientador, Prof. Dr. Ivo Dickmann, pessoa que sinto uma gratidão imensa por ter conhecido, pois tornou-se um aliado nessa caminha- da da pesquisa em Educação Ambiental e cordialmente me apresentou você,
  • 51. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 51 sempre faz questão de expor que: “Se Freire estivesse vivo, ele seria um educador ambiental”, e eu não tenho dúvidas acerca dessa afirmação, afinal, um edu- cador que sempre olhou com amor, sensibilidade, fraternidade, cuidado e responsabilidade ao que está em nosso entorno, e principalmente, a aqueles que são esfarrapados em meio a todos fenômenos ocorridos no mundo, não olharia para as questões ambientais sem se inquietar com a opressão que o meio ambiente vem sofrendo ao longo de décadas. E como vem sofrendo, Paulo. Só nos dois últimos anos, presencia- mos cenas de mãos cobertas por óleo coletado por inúmeros voluntários no mar do Nordeste. Dias que viraram noites por conta das partículas de polui- ção vindas das fumaças de queimadas realizadas na Amazônia, comprome- tendo a qualidade de vida e, até mesmo, a sobrevivência de milhares de es- pécies que representam a riquíssima biodiversidade presente nela. Cenários que refletem desastres ambientais de grande escala trazendo à tona a ganân- cia e uma busca desenfreada pela maximização dos lucros. Em meio a tudo isso, temos a ausência do governo que deixa as questões ambientais marginalizadas, sem dar a atenção necessária para que o impacto ambiental de todos esses desastres não sejam tão extremos. Descui- dado que na minha opinião não se aplica apenas ao governo, que tem grande responsabilidade por tomar decisões em defesa do meio ambiente, mas que está presente em nossa sociedade de modo geral e que é de responsabilidade de todos cidadãos. Tiriba (2010, p. 2), uma grande pesquisadora da área da educação ambiental, considera que o que vivemos hoje é uma “[...] falsa premissa de separação radical entre seres humanos e natureza e a ilusão antropocêntrica de que todos os seres e entes não humanos nos pertencem porque somos uma espécie superior.” Creio ser importante lhe dizer que durante esses anos que venho tra- balhando com a educação ambiental, desenvolvendo pesquisas e a aplicando atrelada a minha práxis pedagógica nas experiências que tive em instituições de ensino, busquei contribuir para o enfrentamento dessa falsa premissa e encontrei base na sua teoria de uma educação libertadora, crítica e emanci- patória. Uma educação que ultrapassa as quatro paredes da sala de aula, pois está nas relações com as pessoas e com o meio ambiente. Na escola, na rua, na sociedade. Que é política e nos impulsiona a sermos sensíveis, empáticos, justiceiros e fortes. Que nos dá subsídios para reconhecermos nossa impor- tância e papel no mundo. Freire, talvez tudo que eu disse nas linhas acima pode não parecer uma descoberta, mas ter propriedade para falar sobre a importância de uma educação libertadora e crítica, está intimamente ligado ao fato de ter a cons-
  • 52. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 52 trução de meus conhecimentos e ideais fundidos neste modelo de educação, com ênfase em minha graduação. Ter liberdade para me expressar e expor minhas opiniões, dialogar com os outros objetivando a construção de conhe- cimentos por meio da escuta e da troca de saberes, pois como você mesmo diz “Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes” (1996) me fez alçar voos e encontrar razões pelo que lutar. Fez tanta diferença em minha vida e na minha trajetória profissional, que não encontro justificativas para não buscar realizar uma práxis pedagógica objetivando uma educação para a liberdade, consciência e para a emancipação de meus futuros educandos. E que educadora seria eu se podasse as asas de meus educandos, as- sim como as minhas foram podadas durante alguns anos? Como poderia admirar o meu próprio trabalho, se não buscasse todos os dias qualificar minha prática e ser amorosa no ato de educar? Afinal de contas, como você já disse “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem.” (1997, p. 97). Então quero ser corajosa e impregnar de significados meu tra- balho, assim como você fez ao longo de todos os anos que tivemos o prazer imenso de tê-lo aqui. Antes de terminar essa carta, Paulo, sinto-me na necessidade de fa- lar sobre o governo que assombra nossos dias. Lembro nitidamente do mo- mento que descobri a vitória dele nas eleições. Não pude conter o choro, pois tinha consciência que seriam quatro anos difíceis e, assim como eu, outras pessoas sentiram o baque das consequências que essa decisão teria em nossas vidas. Conhecendo toda sua trajetória e luta, imagino que ficaria assustado e inquieto ao ver as atrocidades que vem acontecendo no cenário político. Nossos direitos são sucateados e, principalmente, as minorias vem sofrendo os impactos dessas decisões governamentais que oprimem e asso- lam nossas conquistas realizadas ao longo de duros anos, com muita luta custando a vida de muitas pessoas. Parece que vivemos em um vai e vem. Mas mesmo com todos esses acontecimentos, encontro conforto ao olhar para o lado e ver que não estou sozinha. Acredito que ficaria feliz em saber que há muitas pessoas que continuam na luta, buscando por um mun- do mais justo e digno para todos. Assim como diz o cantor Emicida na can- ção AmarElo “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” Não vamos morrer, não vamos nos calar. Assim como as gerações que vieram antes da minha foram fortes e corajosos, seremos resilientes e encontraremos forças para enfrentar esse período sombrio. E quanto a você, meu grande mestre Paulo Freire, espero ter lhe contado ao menos um pouco sobre o quanto suas contribuições foram e são
  • 53. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 53 importantes para a educação, sem se limitar a um recorte territorial. Que possa sentir minha profunda gratidão a tudo que representou em minha vida, de modo que eu pudesse estar aqui escrevendo essa carta para você. Fico imensamente feliz por ser alguém que levará seu legado adiante, do modo que nos orientou, aplicando a didática freiriana a partir da realidade dos sujeitos. Não findarei esta carta dizendo adeus, pois ainda nos encontrare- mos nas páginas dos seus livros, nas pesquisas que ainda realizarei e em minha prática pedagógica, que sempre terá muito de você. Um amoroso e fraterno abraço, Larissa Henrique. Referências FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez; 1991. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura). ______. Educação como prática da liberdade. 23 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. TIRIBA, L. Crianças da Natureza. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DO CURRÍCULO EM MOVIMENTO, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-%20pdf/7161-2-9- artigo-mec criancas-natureza-lea-tiriba/file> Acesso em: 04 de junho de 2019.
  • 54. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 54 Carta Pedagógica: uma reflexão ao educador Paulo Freire Luciana Fátima Narcizo
  • 55. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 55 Chapecó, 20 de Janeiro de 2020 Remetente: Luciana Narcizo Rua Heitor Villa Lobos - 1031 D CEP: 89812618 Destinatário: Paulo Freire Recife, Pernambuco Caro amigo, Paulo Freire. Escrevo essa carta sob um céu limpo e ensolarado. O calor matinal de mais de 24 graus nos dá uma vaga ideia de como vai ser o dia por aqui. Aproveito também para dizer que mesmo adorando escrever, confesso que essa não é uma tarefa fácil. Pensar em escrever para ti então, é de fato uma árdua missão. Um comprometimento que perpassa a tinta da caneta e a fo- lha de papel que, ora está marcada por linhas inteiras de ideias, ora volta ao seu estado original, devido à complexidade que me é exigida nesse momen- to. A complexidade a que me refiro não é de algo laborioso ou menos praze- roso, mas no sentido que sinto estar no dever de me fazer ouvida por ti, meu amigo Paulo, como os mais íntimos assim o chamam. De fato, pode ser prepotência minha, mas aqui sentada em frente ao meu computador, percebo que já somos amigos, eu o conheço em sua subje- tividade e espero que outras pessoas tenham esse mesmo privilégio e quero que isso aconteça por meio das minhas ações. Desculpe! Não quero aqui fazer-me entender mal. Não estou aqui para copiá-lo ou apenas reproduzir suas ações, mas sinto que minha trajetória enquanto educadora pode ser uma continuidade da sua. Quanta audácia, não acha? Mas é... sempre fui a menina de sonhar grande, como costuma dizer minha mãe. Ainda na infância sentia que o prazer por ensinar era a minha, assim como alguns costumam chamar, vocação. Reunida com os primos, muitos de idade mais avançada, fazia questão de ser a professora da turma, de ensi- nar, de falar e ser ouvida. No entanto, somente anos mais tarde foi que con- segui ter a devida compreensão do que de fato acontecia naquela época, eu,
  • 56. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 56 ainda menina, morando com os pais em uma cidade pequena, já gozava do prazer de ensinar, de fazer-me útil ao próximo, de compartilhar. Com isso, eu, a leitura e a escrita formamos ao longo da vida um laço familiar, não de sangue, obviamente, mas de coração. Dizem que famí- lia é a gente quem escolhe para fazer parta da nossa caminhada, pois bem, eu fiz a minha escolha. A formação em Letras foi o marco e o início constante da realização de um sonho. Sim, confesso que pensei em desistir. Ser professor é difícil, cansativo e, por vezes, a não valorização nos desmotiva. Mas calma!!! Não precisa se preocupar, procuro me apegar as coisas boas da vida, ao sorriso dos alunos, a palavra apreendida, as descobertas, as relações, ao ser e sentir- se humano. Sim, é exatamente assim que me sinto quando percebo que pos- so contribuir com alguém: humana. Percebo que cumpro com meu papel nesse mundo ao doar-me a alguém que, não raramente, em nem conheço direito. E agora, permita-me contar alguns momentos em que nossas ideias estiveram entrelaçadas. Lembro perfeitamente de uma aula na universidade, era uma noite muito fria e a vontade de ficar em casa aconchegada em uma manta quentinha com um café era tão grande quanto o frio daquela noite. No entanto, lá por umas tantas (como se diz aqui no Sul), a professora co- meçou falar sobre um educador chamado Paulo Freire. Mal sabia eu que ali começaria uma história de amizade e muito comprometimento. Sim, meu amigo! Ser sua amiga não é algo assim tão simples. Exige comprometimento e transparência, características raras hoje em dia. Então, como ia dizendo... após a aula fui para casa e, já aquecida, percebi que estava inquieta, com o sentimento de que faltava alguma coisa. Pois bem, fui pesquisar sobre ti. Hoje, em pleno século XXI isso tem um nome, os jovens chamam de Stalker, sim, precisava saber mais, de onde você veio, como foi sua vida, qual foi sua trajetória e o que te motivou a ser e fazer tudo o que a minha professora disse naquela noite. E então me dei conta de que ela foi muito generosa com as palavras, mas que também as utilizou de forma reduzida. Você era muito mais do que eu podia imaginar. Isso está até parecendo uma declaração de amor, não acha Paulo? Não me importo… talvez até seja. Após sermos apresentados naquela noite, lembro que comecei a ler você, seus textos e as entrelinhas. Gostava de ler imaginando que estávamos conversando, assim como faço agora ao escrever essa carta. Nosso segundo encontro então, aconteceu em Pedagogia do Opri- mido (2015). Foi um encontro avassalador e a vontade de seguir seus passos,
  • 57. Pedagogia da Reinvenção: cartas pedagógicas a Paulo Freire 57 de tê-lo como amigo, como norteador da minha caminhada, aflorava cada vez mais. Logo no prefácio você diz: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretu- do, com eles lutam” (2015, p. 06). Agora me diga meu caro amigo, como não se identificar com essas palavras? Como não sofrer em um mundo tão desigual enquanto nossa educação é tratada como algo menos importante? E mais… Como não lutar para que isso mude? Como não ter a utopia de um mundo melhor para mim, meus filhos, netos? Como você disse, (2015, p.11) “nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes, a educação como prática da liberdade postula, necessariamente, uma pedagogia do oprimido”. E dian- te disso, penso que hoje, nós, professores, pertencemos à classe menos favo- recida, somos oprimidos diária e constantemente em nossa missão de ensi- nar. E o que nos move? Certamente a pedagógica da acolhida, em acolher o próximo em suas diferenças, a pedagogia do amor, de ensinar e ajudar o próximo e, sobretudo, a pedagogia da gratidão, por ver que ainda podemos fazer a diferença em meio a tantas indiferenças. O melhor de mim são os outros, disse certa vez Manoel de Barros e, usando dessa paráfrase, seu adorado amigo, Carlos Rodrigues Brandão, acrescenta ainda que é com o outro, mas especificamente no círculo entre- nós que as palavras, imagens e as ideias devem ser ditas e escritas. Ouvi isso dele recentemente, quando tive a feliz oportunidade de conhecê-lo. E adivi- nha sobre o que ele falava, Paulo? Sobre os momentos que vocês, juntos, vivenciaram e de como tiveram a oportunidade de mudar a vida das pessoas por meio da palavra, seja ela dita, escrita ou sentida. Não satisfeita, no fim da noite, fui cumprimentá-lo. Ele pediu meu nome e nem bem acabei de pronunciar, ele carinhosamente cantou uma música para mim. Em seguida, disse que cantava essa mesma música para a filha dormir quando pequena. Deixo aqui um pequeno trecho para você: ...Luciana, Luciana, sorriso de menina, dos olhos de mar… Luciana, Luciana abrace essa cantiga por onde passar… Por favor. não me ache tola por isso, mas como você bem sabe, as pequenas coisas têm sempre as suas grandezas. Pois bem Paulo, perdoe-me as voltas que estou dando ao escrever, mas como disse, nunca é fácil escrever para um amigo, especialmente para você. Então, permita-me continuar nos- so diálogo… Ainda na graduação, tive conhecimento de um assunto que estava abalando muito os professores, de modo geral a comunidade escolar. É um movimento conhecido como Escola Sem Partido (ESP) que visa “amorda-